Os traços de Onias

O professor da Escola de Belas Artes, Onias Camardelli, fala sobre as esferas e cilindros de “traço-traço”, sua exposição na Galeria Cañizares, além dos bastidores da arte acadêmica

Por João Bertonie

Professor de desenho há 45 anos, Onias Camardelli parece não se ver como um artista. Desmontando cruzes e montando cabeças no papel, com a destreza de um artesão, Camardelli sugere que nada faria, em relação às suas últimas obras produzidas, não fosse sua pesquisa acadêmica e seu projeto de doutorado. A verdade é que, em sua metódica investigação das possibilidades das formas, parcialmente exposta na Galeria Cañizares, os desenhos saltam aos olhos em tantas perspectivas e dimensões, que é difícil se convencer de que “traço-traço” é o trabalho de um acadêmico.

À voz baixa e grave, o professor da Escola de Belas Artes fala sobre seu processo criativo. “Você começa com essa esfera maior, que é a base, e esse cilindro, e aqui gira trinta graus e depois mais trinta e mais trinta…”, vai explicando, enquanto percorre o dedo sobre o papel com diversas formas desenhadas. Não se tratam de meras divagações geométricas, mas de um estudo complexo e arquitetônico da construção de uma imagem, com muitas formas e giros. O resultado deste estudo, especificamente, é uma cabeça perfeitamente desenhada, talvez o trabalho que mais chame atenção em sua exposição.

Onias Camardelli. Fotos: Milena Abreu
Onias Camardelli. Fotos: Milena Abreu

DESCOMPLEXIFICANDO

“Quando você simplifica uma forma você tende a cair na forma geométrica”, fala o professor, explicando sua persistência na expressão anatômica dos objetos. Definindo-se, com certa relutância, como construtivista, Onias Camardelli tem dificuldade em estabelecer suas principais influências. Depois de refletir, afirma “gostar muito” de Rubem Valentim (1922 – 1991), importante construtivista baiano, mas que apresenta uma obra “muito mais simbólica” do que a dele.

Valentim, como Camardelli, também desempenhou a dupla função de professor e artista. “Tem uma forma de ver isso, que é a minha forma, que acaba fazendo com que seja muito semelhante ser artista e professor”, explica Onias. Em suas palavras, ele alinha as duas atividades de forma com que elas não se conflituem, mas se complementem, como “dois caminhos que chegam a um fim”, que é a “simplificação das formas”.

A simplificação é o que ele mais parece ambicionar, como uma meta maior, um objetivo de vida. Desde os tempos em que se aventurava em outras expressões artísticas, como quando era músico no grupo Zambo, nos anos 70, a simplicidade era um alvo a ser alcançado. “Era uma música brasileira, mulata, um sincretismo musical”, relembra o professor, afirmando que a mistura entre o erudito e o popular, a fé católica e a religião negra, era como o resultado de uma necessidade de simplificar tudo isso.

Tendo trilhado o caminho acadêmico muito mais do que o artístico (o que é evidenciado pelas mais de quatro décadas de EBA e poucas exposições nesse mesmo espaço de tempo), Camardelli sugere certo prazer em estar no papel de artista, e não só como docente. “A profissão [de artista] é muito gostosa, o ‘ser artista’ é muito gostoso”, divaga, com os olhos azuis contemplando o teto por mais tempo do que passam encarando seu interlocutor.

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OS ARTISTAS DA UNIVERSIDADE

Em um tom que não indica crítica voraz, nem especial afeição, o artista opina sobre a mudança que vem acontecendo no perfil da Escola de Belas Artes e dos seus estudantes-artistas. “Hoje, com essa diversificação… Isso tudo mexeu muito com a cabeça dos alunos e dos professores”. Por diversificação, ele se refere a ascensão das novas tecnologias, e reflete sobre a tomada de uma nova consciência das pessoas no que diz respeito ao papel desempenhado pelo artista.

Esse novo tempo, na visão do “simplificólogo”, não parece gerar frutos indesejáveis: Camardelli vê o surgimento de uma geração de “artistas mais simplificados” nos cursos de graduação. O professor diz enxergar entre seus alunos pessoas “muito mais agitadas”, que conseguem visualizar o fazer artístico de forma mais clara e objetiva.

O professor-artista vê um cenário pós-faculdade razoavelmente otimista para esses estudantes. “A arte hoje é muito aberta. Se você tiver talento e fizer alguma coisa boa sem pretensão, as pessoas vão gostar e vão comprar as suas peças”, compreende, de forma simples. Ele, que já participou de momentos expressivos na arte baiana, como a exposição do bicentenário da Revolução Francesa, na própria EBA, em 1989, não faz questão em comercializar os próprios trabalhos: “Dia desses veio uma pessoa, dizendo que queria adquirir o painel [um desenho que ocupa uma parede inteira da Cañizares], mas eu nem me importei”.

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