Um passeio pelo incrível mundo de O Grande Hotel Budapeste

*Rayssa Guedes    

   

Comecemos pelo princípio: os escritos do judeu austríaco Stefan Zweig (1881-1942), que vivenciou as duas grandes guerras, na Europa, até não suportar mais a pressão do conflito em seu país vindo se exilar no Brasil, precisamente em Petrópolis. A partir disso, podemos entender como e o porquê de o diretor de O Grande Hotel Budapeste, Wes Anderson, adaptar os escritos do dramaturgo.

Se já havia um evidente flerte em seu trabalho anterior, o delicioso Moonrise Kingdom (2012), O Grande Hotel Budapeste é, de fato, o momento em que Wes Anderson se aproxima de um tipo de cinema onde personagens ou são heróis – caminhando entre a ingenuidade e a nobreza – ou vilões – muitas vezes patéticos. E que ninguém reclama do exagero em melodrama, estereótipos ou maniqueísmo em histórias que se não têm um grau maior de profundidade, abstraídos com êxito, a ponto de emocionar e se tornarem inesquecíveis.

Partindo do ano de 1986, no qual o hotel do título se encontra decadente, a trama de O Grande Hotel Budapeste volta ao ano de 1932 para nos apresentar, sob a perspectiva saudosa de um curioso e enigmático idoso (F. Murray Abraham), as desventuras do mesmo em paralelo a M. Gustave (Ralph Fiennes), concierge (Aproxima-se da ideia de gerente) do Budapeste, e do mensageiro Zero (Tony Revolori). Sujeito distinto e muito vaidoso, o primeiro é a alma do hotel, onde também vive um cotidiano de casos amorosos com ricas senhoras de meia e terceira idade. Já o segundo é um novato pego para pupilo que se torna um amigo inseparável. Um filme sobre uma amizade que vai crescendo perante a necessidade.

Determinado por essa curiosa camaradagem de Gustave e Zero, O Grande Hotel Budapeste prospera quando alia a estética peculiar e particular – e sempre vistosa – dos filmes de Wes Anderson a uma temática de “Crime, golpe e caso amoroso” que utiliza a guerra como pano de fundo. Saindo da sua zona de conforto, o diretor não teme em requintar a violência e muito menos em estilizar o romance entre Zero e a confeiteira interpretada por Saorsie Ronan. O filme também evolui muito quando justifica a comum atitude blasé de seus protagonistas como um bloqueio contra as agruras de um mundo cada vez menos gentil.

O Grande Hotel Budapeste acerta o ponto na forma como Wes Anderson dá vida a um universo inteiro de caricaturas e maquetes, levando a teatralidade da qual tem apreço e sofre de influência a nível máximo. É particularmente mágico acompanhar sequências tão bem cuidadas. E mais incrível ainda ao se notar o quanto o invejável elenco entra no clima cartunesco, caricato – nunca debochado. Dentre tantos nomes de peso, Willem Dafoe está impagável como um brutal vilão. E O Grande Hotel Budapeste encontra sua parte mais alta quando deixa a encenação cômica em segundo plano e exalta, belamente, o encantamento de uma história onde a tônica, invariavelmente, são as perdas.

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