Gastronomia também é arte

Verena Guimarães

Depois de décadas, Paloma Amado, 63, retorna ao prédio que um dia foi sua escola secundarista e hoje é a Escola de Nutrição da Ufba. Depois de seis anos imersa na literatura do seu pai, Jorge Amado, Paloma catalogou as aventuras gastronômicas dos personagens e publicou seu primeiro livro culinário ”O Livro de Cozinha de Pedro Archanjo” ou “A comida Baiana de Jorge Amado”.

A ideia de organizar o livro veio depois de ganhar “O caderno de receitas da Senhora Maigret”, obra do escritor francês Coutinet. É uma listagem das comidas preferidas do personagem Maigret, inspetor criado pelo escritor George Simedon. “Quando li aquele livro pensei que seria interessante fazer isso com os personagens do meu pai”, explica a escritora.

Para o autor baiano, seus personagens são vivos, logo, eles comem e muito. Gabriela, uma das personagens mais famosas de Jorge, é uma cozinheira de mão cheia. Já no meio do livro de Tiêta tem uma receita de guisado de cágado.

Comida com gosto de liberdade

Convidada pela Faculdade de Gastronomia, a escritora conduziu uma roda de conversa sobre gastronomia baiana, no início da semana passada. Paloma, que também é psicóloga, iniciou a discussão falando sobre memória afetiva e comida. Segundo ela, a comida tem a propriedade de nos lembrar de momentos bons e ruins que vivemos em nossa vida. ”Para mim, sarapatel tem gosto de liberdade e aprendizagem, porque sempre comia com meus amigos na minha juventude”.

Além disso, é possível estabelecer uma relação entre a comida e o apetite sexual. Já existem pesquisas sobre o assunto. “O caráter sexual da comida vai muito além do ovo de codorna e do amendoim”, conta Paloma. A escritora ainda relembra que Dona Flor, por sua vez, lembra do seu falecido marido através da moqueca de siri mole.

Não só a mesa farta era assunto nos livros de Jorge Amado. Em Capitães da Areia, a fome é colocada em pauta. Os meninos eram obrigados a se virarem nas ruas, comer feijão extremamente salgado ou roubar pão. Uma denúncia social no contexto da cidade de Salvador na década de 30.

Além da cozinha

Paloma Amando também explicou que anos atrás o termo ”gastrô” não existia e atualmente essa área ganhou notoriedade. “Não há dúvidas de que gastronomia também é arte”, completou. Mas esse flerte não é tão moderno assim. A escritora contou que o artista Salvador Dali tem um livro de receitas chamado ”Las Cenas de Gala”.

A professora de gastronomia Andréia Torres, 38, explica o caminho multidisciplinar do curso: “A gastronomia também é uma arte. Primeiro, para fazer gastronomia, você não precisa somente entender de comida. Você precisa também saber um pouco de física, de química, um pouco de arte,  de cultura. Você precisa ser plural”.

A área de gastronomia está em constante desenvolvimento. “Há cada vez mais programas culinários, e projetos arquitetônicos que valorizam a cozinha”, explica Andréia. Para os alunos, é essencial ir além da faculdade. “A interação entre literatuta e gastronomia  é importante porque nós tratamos não só de gastronomia, mas também de aspectos políticos, econômicos e sociais, que são a nossa cultura”, diz Bruno Sintrario, 22, estudante de gastronomia.

O encontro foi uma iniciativa da turma da disciplina de gastronomia baiana, orientada pelo Professor Odilon Castro, 53, que conheceu Paloma há 12 anos no projeto “Carnavales Culturales de Valparaíso”, no Chile. E após uma conversa informal, ela aceitou o convite para uma conversa com os alunos da Ufba.

Entre seus projetos futuros, Paloma pretende escrever mais um livro de gastronomia sobre a cultura afro-brasileira. “Quero viajar pela África e descobrir de onde vem uma parte de nossos temperos. A comida baiana é diferente porque é como nós, uma mistura de várias culturas”.

Fotos: Verena Guimarães
Fotos: Verena Guimarães

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