Adupé: cantando para agradecer

Espetáculo cênico-musical em cartaz na Sala do Coro do TCA propõe passeio pela tradição e modernidade musical africana, latino-americana e brasileira misturada aos orins – cânticos sagrados do Candomblé.

*Por Vanice da Mata

O show ADUPÉ, produzido pelo Núcleo Afrobrasileiro de Teatro de Alagoinhas (NATA), fica em cartaz até o próximo domingo, 24, em Salvador. Em terceira temporada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, o espetáculo cênico-musical apresenta composições de influências estéticas diversas, e tem a proposta de promover um passeio pela tradição e modernidade musical africana, latino-americana e brasileira.

A arquitetura do espetáculo foi construída com o objetivo de fazer um agradecimento à altura dos Orixás – o nome da montagem significada nada menos que ‘obrigado’, do yorubá para o português. No show, a imagem tanto quanto clichê de uma “África perdida” cede lugar para uma atualização simbólica da cultura afro-brasileira e, sobretudo, do Candomblé – base religiosa que é o lastro da obra musical. Com base nos Orins, cânticos de louvação executados nos xirês (cerimônias religiosas), os arranjos de Adupé conseguem surpreender a plateia, na medida em que renovam os sentidos ordinários destes cânticos, apresentando-os de forma libertária e, para alguns, talvez até mais prazerosa.

“Agradecer aos Orixás, em primeiro lugar. Agradecer aos nossos antepassados, aos nossos ancestrais – a cada Orixá que ressignifica o sentido da nossa vida”, explicou Fernanda Júlia, que divide a direção do show com Thiago Romero. Desde muito antes de estrear o espetáculo em fevereiro deste ano, durante quatro dias no Teatro Vila Velha, o grupo sentiu necessidade de agradecer as coisas boas que vinham acontecendo na vida de todos os integrantes. “Tivemos a necessidade de expressar a beleza da musicalidade do candomblé, dos orins, e colocar tudo isto próximo também do espectador que não é da religião, para que eles sejam vistos diante de uma  mídia poderosa como o palco. A ideia é que se perceba que não está com nada esta história de intolerância religiosa, de discriminação”, reconhece a diretora. Fernanda afirma que o bacana disso tudo é tentar entender a diversidade cultural brasileira compreendendo-a em sua inteireza e diversidade.

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

Sonoridades Para auxiliá-la na tarefa de revelar um lado contemporâneo da sonoridade de matriz africana foram convocados Ricardo Costa e Spike, que responderam pela direção musical de Adupé. “O resultado é fruto de um longo processo. Desde Oyaci, quando comecei a trabalhar com o NATA, não queríamos utilizar o ilu, ritmo dançado por Yansã (divindade identificada com a energia de raios e ventos na liturgia afrobrasileira). Daí eu usei um ritmo chamado candombe, que vem do Uruguai, para a gente fazer esta mesclagem com as coisas do Candomblé daqui da Bahia”, explica Ricardo. Segundo o percussionista e alabê (Ogã, membro masculino das comunidades de Axé cuja responsabilidade é a de chamar os Orixás para as cerimônias através dos toques dos atabaques), o ritmo é tocado mais para as mulheres dançarem, sendo executado no mesmo compasso que o ilu, que de acordo com o conhecimento do músico também é um 12/8 (lê-se 12 por 8).

Dentre os tipos de toques identificados como candombe, de raiz afro-uruguaia, o que mais se aproxima do ilu é o cuareim. Segundo o diretor musical, o candombe permitiu adiantar o andamento do orin, sem “desandar”, o que inevitavelmente aconteceria com o ilu. Segundo Ricardo, “perde a beleza, mesmo ele também sendo um 12/8. Por isso eu optei trabalhar com o candombe”, no caso da rainha dos ventos. Omolu ganhou um soul, Exu foi brindado com uma frase muito marcante do baixo da competente de Zinha Franco. Para Oxossi seu dedicado filho Spike faz-lhe uma homenagem a violão elétrico e Xangô dança um ijexá. Tudo isso em meio a músicas brasileiras bastante conhecidas como Oração ao Tempo, de Caetano Veloso, dentre outras incidentais.

Tecendo todos estes elementos do espetáculo, a interpretação vocal e cênica do ator e diretor Thiago Romero. Seu trabalho de intérprete conduz sua performance como cantor, e nos momentos de ‘conversa’ ou de ‘fala’ presentes em Adupé, Thiago fala fundo. O homem nasceu performance.

O espetáculo faz parte do II Encontro das Culturas Negras, da Secretaria de Cultura (Secult-BA), programação do mês da consciência negra.

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

| Serviço |

Espetáculo Adupé

Quando: 23 e 24 de novembro – sábado e domingo

Horário: 20h

Quanto: R$ 10 e R$ 5

Onde: Sala do Coro do TCA

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *