Armindo Bião: energia da vida celebrada na Escola de Teatro da UFBA

*Por Vanice da Mata

“Macumbê-bê-ê; Macumbê-ê”, cantou a Escola de Teatro da UFBA, no Canela, na tarde da última segunda-feira, 14, no Teatro Martim Gonçalves. O dia recebeu a aula inaugural da Escola para o semestre 2013.2, organizada pela direção e por alunos da pós-graduação em homenagem post mortem ao professor doutor Armindo Bião, falecido em 20 de julho deste ano. Um grupo de artistas e aspirantes, cientistas, amigos e familiares do ator se reuniu, longe do tom fúnebre, para celebrar a alegria e a beleza da vida na lembrança do pesquisador de suma importância para a história da Escola de Teatro e para as Artes Cênicas. “Esta é uma tentativa de reunir pessoas que conviveram com Bião, e todos os ex-coordenadores do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da UFBA”, explicou Eliene Benício, diretora da Escola.

A formação do Programa de Pós-Graduação teve a intervenção direta de Armindo, que de um jeito bem próprio, ia “reconhecendo parceiros” ao tempo em que pisava em seu caminho. Ele viria a ser o primeiro coordenador do Programa. Na tarde da última segunda-feira, compuseram a mesa Suzana Martins, docente permanente do PPGAC, professora da Escola de Dança da UFBA e prima em segundo grau do homenageado; Cláudio Cajaíba, professor da Escola de Teatro, docente permanente do Programa e também seu ex-coordenador; Antônia Pereira, representante da área de Artes da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), docente permanente do Programa e professora da Escola de Teatro; Cleverson Suzart, diretor da Faculdade de Educação (FACED) da UFBA e ex-bolsista do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade (GIPE-CIT); Isa Trigo, professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e ex-doutoranda do professor Armindo Bião; além de Denise Coutinho, docente permanente do PPGAC e professora do Instituto de Psicologia da UFBA.

Particularidades A professora e prima Suzana falou da curiosidade que ambos nutriam pelo povo cigano, despertada ainda quando eram crianças moradoras do bairro de Roma, na Península de Itapagipe. “Outro dia, conversando com ele foi que descobrimos ter esta curiosidade em comum. O que mais me impressionava nos ciganos era a festa, a comemoração, e o casamento deles. Tudo sempre com muita comida, música, dança, e especialmente quando os noivos cortavam os pulsos e encostavam-nos um no outro”, contou a atual coordenadora do PPGAC. No último espetáculo dirigido por Bião, A Gente Canta Padilha, a cultura cigana aparece em uma digressão cuja raiz é resgatada na figura de Doña Maria, a rainha de Castela que, por ter sido um tipo de amor inadequado ao rei, foi tanto quanto maltratada, daí passando a ser identificada como cigana e, em terras brasileiras, enegreceria a fim de habitar o imaginário social como a popular e ao mesmo tempo tão incompreendida Maria Padilha, perfil feminino do elemento ‘comunicação’ presente nas religiões afro-brasileiras.

Plateia do Teatro Martim Gonçalves na última segunda-feira, 14.
Plateia do Teatro Martim Gonçalves na última segunda-feira, 14.

Um grupo de atores remontou fragmentos desse espetáculo naquele dia, dirigido por Marconi Araponga.  “A importância dele [Bião] na minha trajetória é muito grande, de forma que eu não sei como seria o meu trabalho hoje esse não tivesse passado por ele”, afirmou o diretor. Para Rosa Adelina, mestra em Artes Cênicas e uma das integrantes do coletivo que encenou os fragmentos da peça, “a melhor forma de comemorar Bião é com festa e celebração, como ele gostaria: orando e cantando”, reflete. “Oremos, fulano, oremos”, era uma das frases características de Armindo Bião para quando as coisas por algum motivo não funcionavam. “Ele tinha umas frases ótimas, como por exemplo com o pessoal do SPA, que são os Seminários de Pesquisas em Andamento. Ele saía com essa: ‘aqui – onde o seu projeto perde gordurinha e ganha tonicidade muscular’– e por aí ia, sempre super espirituoso”, relembrou Suzana, apelidada por Bião de Suçuarana pelo fato de ela ser considerada por ele um ser humano raro, semelhante à espécie de onça em extinção por estas terras. Ela, por sua vez, o apelidou de Bio, devido a sua vitalidade – ponto reforçado nas falas de todos naquela tarde.

Ativo, sistemático, objetivo, dedicado, com alta capacidade de compartilhamento, de trabalhar, de congregar pessoas, de projetar e de concretizar coisas, ambicioso (na melhor acepção da palavra), intenso, alegre, generoso e “terrível”. Essas palavras traduzem aspectos marcantes da figura de Bião, que também possuía suas controvérsias. “Ele tinha estas duas coisas: um gênio incrível, e quando falava, brigava, jogava as coisas no chão. Era fantástico isso. Todo mundo ri porque todo mundo lembra. Ele explicava coisas sem explicar, pois há coisas que não são da ordem da palavra. Ora vinha com algo muito delicado, e ora vinha como uma trovoada, como um tsunami”, revelou Isa Trigo, ex-orientanda de Bião no mestrado e no doutorado, e hoje professora da UNEB.

Ao mesmo tempo, conviver com o Professor Armindo era um privilégio e um eterno risco.  Antônia Pereira, herdeira e admiradora de Bião, revelou que um almoço em Paris com o pesquisador foi o suficiente para de lá sair absolutamente engajada no grupo que integraria o PPGAC. “Ele era totalmente sedutor. Ali já me fez dar a palavra. Vim, e de imediato ele tinha essa capacidade de nos potencializar, jogando a gente aos leões”, declarou a professora. Cláudio Cajaíba é outro que bem sabe o que é ser jogado aos “reis da selva” por Bião. “Num desses encontros, chega ele e diz: ‘nós temos não sei quantas bolsas, não sei quantos mil reais, para tocar um grupo de pesquisa’. Era uma verba nunca antes concedida ao Nordeste, dentro de um edital específico para a nossa região – coisa em torno de R$50 mil reais. De repente eu me vi ‘convidado’ por ele a gerir toda aquela verba. Ele vivia no país todo, era professor visitante na França onde passava 3, 4 meses, e a gente vivia nessa comunicação virtual, com estes desafios que ele lançava, colocando em xeque a sua capacidade”, contou o professor. Segundo Antônia Pereira, mesmo que de vez em quando eles dissessem “eu não quero que você compartilhe isso comigo, eu não quero esta generosidade”, não tinham muita escolha. Mas ela admite que Bião sabia reconhecer muito bem. “Muitas vezes, na Revista Repertório, você lia um parágrafo e ponderava, fazia algum tipo de observação e, quando você menos esperava, o seu nome estava lá na publicação”, atesta Cleverson Suzart, mineiro acolhido por Bião no início de sua trajetória profissional na Bahia.

Mesa: Cláudio Cajaíba, Suzana Martins, Antonia Pereira, Cleverson Suzart, Isa Trigo, Denise e Eliene Benicio.
Mesa: Cláudio Cajaíba, Suzana Martins, Antonia Pereira, Cleverson Suzart, Isa Trigo, Denise e Eliene Benicio.

Ao fim dos depoimentos, Eliene Benício apresentou a Revista Repertório nº 20 – a publicação da Pós-Graduação também criada por Bião e companhia. Nela, o Programa reuniu depoimentos sobre o professor, que no editorial do número anterior escreveria despedindo-se da revista. “Naquele editorial ainda pulsava aquela ambição dentro dele – os projetos para 2016, 2018, 2022. Ele queria que as coisas fossem legado. Ali ele escreveria sem saber que estaria se despedindo da vida”, reconheceu Cláudio Cajaíba.

Um vídeo fruto do Laboratório de Performance integrou a programação do Teatro Martim Gonçalves naquela tarde. Os integrantes desta atividade foram informados do falecimento do Mestre quando desenvolviam atividades de ensino-aprendizagem no município de Lençóis (BA). O audiovisual contou com experimentação de performance musical, protagonizada pela atriz Kátia Lanto. Houve também uma apresentação do fragmento “A nega de um peito só”, da peça “A gente canta Padilha”, de autoria do professor Bião.

A Dona Dulce, mãe do Professor, que havia chegado tão tristinha e abatida à Escola no início daquela tarde, a Agenda Arte Cultura arriscou perguntar ao final das atividades se tinha gostado da homenagem. Ela, de pronto, respondeu: “Eu não gostei não. Adorei!”.

Diretor e atores do grupo apresentaram trechos do espetáculo A Gente Canta Padilha.  Foto: Rayssa Guedes
Diretor e atores do grupo apresentaram trechos do espetáculo A Gente Canta Padilha.
Foto: Rayssa Guedes

Armindo Jorge de Carvalho Bião era brasileiro, natural de Salvador, Bahia (1950-2013), Pesquisador 1A do CNPq. Professor Titular Associado, no Brasil, à Universidade Federal da Bahia UFBA, e, na Europa, à Université de Paris Ouest Nanterre La Défense e à Maison des Sciences de l’Homme Paris Nord. Foi Professor Visitante na Université de Paris Nord Villetaneuse Saint Denis (Paris VIII), de 1997 a 2000, na Université Ouverte des Cinq Continents (Mali, 2005), na Cátedra Valle-Inclán/ Lauro Olmo (Universidad de Alcalá de Henares, Ateneo de Madrid) e no Instituto Politécnico de Leiria (Portugal), em 2007/ 2008. Passou pelo Programa ERASMUS MUNDUS em Artes do Espetáculo, nas Universidades Paris Nord Villetaneuse Saint Denis, Nice Sophia Antipolis, Goethe Frankfurt am Main e Libre de Bruxelles, em 2008/ 2010.

Ator e encenador em cerca de 50 obras teatrais e audiovisuais, premiado por seu trabalho em teatro (1980, 2001, 2008, 2010) e por suas atividades acadêmicas (1998, 1999, 2007), na Bahia. Foi também Chevalier des Arts et des Lettres da República Francesa. Licenciado em Filosofia pela UFBA (Brasil), Master of Fine Arts em Theater Arts/ Acting pela University of Minnesota (EUA), Mestre e Docteur d’Université em Anthropologie Sociale et Sociologie Comparée pela Université René Descartes Paris V Sorbonne e Pós-Doutor em Études Théâtrales et Littéraires pela Université de Paris Ouest Nanterre La Défense (França). Ex-bolsista da Fulbright Foundation e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES. Foi o primeiro Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas PPGAC/ UFBA (1997/ 2003), Diretor Geral da Fundação Cultural do Estado da Bahia (2003/ 2006) e o primeiro Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas ABRACE (1998/ 2002), na qual coordenou o Grupo de Trabalho de Etnocenologia, de 2007 a 2011. Com uma centena de orientações acadêmicas concluídas, Armindo Bião foi um dos criadores de vários grupos de pesquisa, como o Groupe de Recherche sur l’Anthropologie du Corps et ses Enjeux GRACE, na Sorbonne Paris V, desde 1988; a rede internacional de etnocenologia, a partir da UNESCO, desde 1995; e o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade GIPE-CIT, na UFBA, desde 1994) e de diversos periódicos, como Verbo Encantado; Viver Bahia; Repertório Teatro & Dança; Cadernos do GIPE-CIT e Memória ABRACE (lançado em 1999). Publicou dezenas de artigos e capítulos de livros no exterior e no Brasil, inclusive, em 2009, os livros ‘Teatro de cordel e formação para a cena’ e ‘Etnocenologia e a cena baiana’ e, em 2012, ‘Teatro de cordel: peças e ensaios’ (este resultante de Prêmio Patativa do Assaré, de Cordel, do MinC). Atuou nas áreas das Artes do Espetáculo (Etnocenologia, Interpretação Teatral, Teatro de Cordel, Treinamento com Máscaras) e da Cultura Baiana (Matrizes Estéticas e Relações Internacionais). Manteve os seguintes espaços virtuais: www.etnocenologia.org e www.armindobiao.blogspot.com.

Eliene Benício e Dulce Bião, mãe de Armindo.  Foto: Ade Zeus
Eliene Benício e Dulce Bião, mãe de Armindo.
Foto: Ade Zeus

* Texto adaptado a partir do informado pelo autor na Plataforma Lattes.

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