Resistência, identidade e cultura: você conhece o Pet Indígena?

O PET Indígena se configura como um espaço de autoafirmação para os estudantes indígenas ondem podem ser pesquisador, em vez de ser só o objeto de estudo

Por Greice Mara

O Programa de Educação Tutorial (PET) é um programa da Secretaria de Educação Superior – SESu/MEC, instituído para apoiar atividades acadêmicas que integrem o tripé ensino-pesquisa-extensão. Foi criado em 1979 pela CAPES com o nome Programa Especial de Treinamento, permanecendo sob sua responsabilidade por 20 anos. De acordo com informações do MEC, atualmente o Programa conta com 842 grupos distribuídos entre 121 Instituições de Ensino Superior (IES).

O objetivo central do PET é formar grupos de alunos que trabalharão em conjunto com um professor-tutor, onde deverão realizar atividades extracurriculares de ensino, pesquisa e extensão, complementando sua formação acadêmica. Segundo a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação, essas atividades trazem uma série de benefícios para os cursos nos quais os grupos estão inseridos. E também contribuem com a formação acadêmica ampla do aluno, interdisciplinaridade, atuação coletiva, planejamento e execução de projetos

O PET Indígena surgiu em 2010, através da Portaria MEC nº 976/2010 que visa a ampliação do número de Programas de Educação Tutorial (PETs). Com a entrada de estudantes indígenas na UFBA, a partir de 2005, surgiu a necessidade de criar um espaço para que esses alunos pudessem ter voz ”e também um espaço onde o estudante indígena pudesse ser pesquisador, em vez de objeto de estudo, que é o que acontece na realidade”, conta Vanessa Pataxó, estudante do 7° semestre de Fisioterapia. “A gente fala que o PET é uma conquista que os estudantes reivindicaram e viram o Programa como uma possibilidade de um espaço com maior diálogo e de maior visibilidade para as questões indígenas”, conclui a aluna.

Mobilização – A partir desta portaria, os estudantes que tinham origem indígena na UFBA leram o edital, pesquisaram e entraram em contato com a Universidade. Após isso, foram para Brasília apresentar a proposta do projeto. Inicialmente, houve aceitação em Brasília para a criação do PET Indígena. Entretanto, ao chegar na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (PROGRAD), houve problemas na aceitação do projeto e os estudantes tiveram que voltar para Brasília para reivindicar o espaço. O projeto, enfim, foi aprovado e contava com os 12 alunos indígenas, de diferentes cursos, que a UFBA tinha na época. À época, Suzane Lima Costa, professora do Departamento de Letras, assumiu o projeto.

O atual professor tutor do Programa é Danilo Paiva Ramos, do Departamento de Antropologia. A seleção para professor tutor é feita com uma banca avaliadora composta por professores e por um aluno do PET. Por se tratar de um programa interdisciplinar e muito específico, para candidatar-se à vaga de tutor é preciso ser doutor, pesquisador das causas indígenas, que tenha atuado em alguma comunidade ou tenha atuado nessas comunidades. A ideia é contar com professores que conheçam e respeitem as especificidades dos estudantes, já que, o PET Indígena, além de ter estudantes de cursos diversos, conta com diferentes etnias.

“Essa questão de não ter um professor indígena na UFBA é uma deficiência da própria Universidade. Por não ter políticas que façam com que esses professores queiram dar aula na universidade”, afirma Cicília Pataxó, estudante do 5º semestre do BI em Saúde, que complementa falando da falta de interesse dos indígenas em permanecer na capital, já que a maioria costuma se formar já pensando em voltar para suas aldeias.

Abril Indígena

O Abril Indígena é a principal atividade promovida pelo PET Indígena e é realizado em parceria com o Núcleo de Estudantes Indígenas. O evento conta com uma série de atividades nas áreas de saúde, educação, direito, entre outras, e pauta os conhecimentos tradicionais juntamente com os científicos. “A gente tem a preocupação de trazer uma pessoa detentora do conhecimento científico e também trazer alguém – da mesma área – detentora do conhecimento popular”, explica Cicília Pataxó.

Atualmente a UFBA conta com mais de 80 alunos indígenas, de mais de oito etnias do Nordeste e, por isso, o Abril Indígena é considerado de suma importância. “O evento é um espaço de afirmação e de protagonismo dos estudantes. Onde nós promovemos o debate”, afirma Vanessa. A intenção é fazer com que as pessoas possam ir ao evento e que esses indígenas sejam os grandes porta vozes de suas questões.

O Abril Indígena é feito também fora da UFBA, com parceiros como a Casa da Música, em Itapuã, o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e escolas. Esses eventos promovem trocas, usando rodas de conversa, minicursos e projetos. Além disso, levantam discussões e mostram a realidade das comunidades indígenas. Para as alunas, o Abril Indígena traz um crescimento muito grande, tanto para o PET quando para o Núcleo e também para os demais estudantes.

Outros projetos – Além do Abril Indígena, há também projetos produzidos, individualmente, pelos petianos. As pesquisas costumam ser direcionadas às comunidades indígenas, dentro da área que cada aluno atua. Para isso, são desenvolvidas parcerias com os demais PETs da UFBA e com PETs indígenas de outras universidades; e promovidas atividades de extensão em comunidades. Além da atividade de memórias – realizada há dois anos – onde os alunos foram até comunidades indígenas e registraram seus rituais.

Outras ações são a realização de atividades em escolas públicas e debates mais aprofundados acerca do índio contemporâneo, desconstruindo estereótipos. E a confecção de um manual com informações sobre o acesso e a permanência na universidade e a distribuição desse material em escolas nas aldeias.

Para as estudantes Cicília e Vanessa, os estudantes indígenas têm suas passagens, pelo PET ou pelo Núcleo, bastante valorizadas e são tidas como uma herança, um legado para aqueles que virão. Elas consideram que todos os direitos que têm hoje foram conquistados, graças aos estudantes que chegaram antes e passaram mais dificuldades que os de hoje, que lutam para deixar o caminho dos que vêm em seguida menos tortuoso. “Se a gente hoje tem mais possibilidades de permanência, é porque os estudantes que vieram aqui primeiro enfrentaram todas as dificuldades. Eles limparam o caminho para a gente passar, assim como a gente tem que limpar para os próximos”, afirma Vanessa.

Houve um crescimento das políticas de ações afirmativas em virtude do diálogo com a Universidade, que vem possibilitando uma maior permanência dos indígenas ao longo de mais de 10 anos da presença indígena na UFBA. “O PET se preocupa, junto com o Núcleo, com as estratégias que a UFBA tem que adotar para a permanência dos estudantes”, diz Vanessa. Segundo ela, os alunos indígenas já têm sua trajetória, sua militância, a luta de sua comunidade e, ao chegar na Universidade, travam mais um luta pelas questões de adaptação e pelo fato de a maioria desses estudantes serem oriundos de escolas rurais, que têm um ensino bastante precário.

Para as estudantes, algumas das maiores conquistas dos indígenas na UFBA foram o direito ao Restaurante Universitário (R.U), o auxílio moradia, através do Programa Permanecer; e o fato de o Abril Indígena ter sido incluído no calendário da UFBA. As conquistas desses espaços, mesmo que pareçam pequenas e demoradas, são bastante valorizadas pelos estudantes. Algumas das principais pautas atuais são a criação de uma residência indígena – que respeite os moldes e as especificidades dos alunos – e de um curso de inglês, visando a academia.

Apesar dessas conquistas, o PET Indígena correu um sério risco de ser extinto por falta de um professor tutor. Os petianos passaram cerca de um ano realizando as atividades e exerceram funções que não são designadas a eles. Tudo isso para manter o programa  funcionando. Recentemente, conseguiram selecionar o professor Danilo como tutor e estão bastante empolgados com o futuro.. Um dos principais focos do grupo, no momento, é a criação de um Observatório Indígena, para pesquisa, coletiva ou individual, dos estudantes. A ideia é promover a produção científica – com divulgação e apresentação desses projetos – de indígena para indígena.

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