Rogério Ferrari mostra “o lado desconhecido” de conflitos

Natural de Ipiaú, na Bahia, fotógrafo teve exposição dialogada durante o evento Pensar América, promovido pelo grupo Latitudes Latinas.

*Por Sophia Morais – voluntária da Agência Ciência e Cultura

Fotógrafo engajado, conhecido pelo projeto Existência-Resistência, onde trabalha “o lado desconhecido de conhecidos conflitos”, Rogério Ferrari cedeu uma entrevista à Agenda Arte e Cultura na quarta-feira, 21 de agosto, quando comandou uma exposição dialogada para o evento Veramérica, no PAF V da UFBA. Na ocasião, Ferrari apresentou seu trabalho com os Zapatistas no México e os Sem Terra no Brasil. Confira a entrevista a seguir, onde Rogério falou sobre o interesse pelo que não aparece na grande mídia e a importância de seus trabalhos pelo mundo, a exemplo dos conflitos na Palestina.


Agenda Arte e Cultura – Como e p
or que você se interessou pelo Veramérica?

Rogério Ferrari – Fui convidado a participar por conta da relação do tema que eu desenvolvo como fotógrafo. Que tem a ver com fronteiras, com interdições, e simultaneamente com realidades comuns, que independem dessas interdições e dessas fronteiras. Meu interesse é, na verdade, resultado da relação de meu trabalho com o sentido e o objetivo do evento.

Agenda Arte e Cultura – Quando surgiu essa atração por abordar realidades que geralmente não são discutidas nos principais veículos de comunicação?

Rogério Ferrari – É uma coisa comum saber que a mídia tradicional tem compromissos muito claros e interesses muito definidos, que em geral vão de encontro aos interesses dos movimentos sociais e da perspectiva, digamos, mais democrática, mais popular, independente do país. Então, na minha condição de fotógrafo, eu procuro desenvolver um trabalho que de alguma forma possa proporcionar um outro tipo de informação sobre lutas e realidades que nos dizem respeito. A exemplo dos Zapatistas no México, dos Sem Terra no Brasil, dos curdos, dos palestinos, e outros temas que em geral são estigmatizados. Justamente por essa perspectiva, por esse caráter de movimento social de luta popular. Então a ideia com a fotografia é construir uma narrativa e proporcionar uma informação mais direta, mais próxima do ponto de vista destes sujeitos. 

Fotografia de Ferrari sobre o movimento dos Zapatistas, no México.  Foto reprodução: Virgínia Andrade
Fotografia de Ferrari sobre o movimento dos Zapatistas, no México.
Foto reprodução: Virgínia Andrade

Agenda Arte e Cultura – Qual a relação entre o seu projeto Existência-Resistência e o Veramérica?

Rogério Ferrari – Essa intenção de superar fronteiras impostas, arbitrárias, que foram definidas a partir de interesses, de poderes contrários às culturas, impondo estados que muitas vezes não deveriam existir. Então, a relação, a analogia com o Existência-Resistência é a perspectiva de pensar um outro tipo de mundo, regido por outros valores e por outro tipo de relação. O Veramérica tem a ver também com o fato de que esse trabalho que eu desenvolvo – no caso específico da América Latina –  é também uma intenção de reafirmar uma identidade, por mais genérica que seja, latino-americana. Pensar também esta identidade como formas específicas e próprias de pensar o continente, a relação do continente, e os interesses do continente. Enfim, a relação é uma perspectiva político-cultural pautada nos interesse do povo latino-americano.

Agenda Arte e Cultura – Qual foi o momento mais impactante do seu trabalho como fotógrafo?

Rogério Ferrari – Todos foram impactantes, pois têm em comum uma dimensão que funde um aspecto racional e político, na medida em que os trabalhos que fiz partem de uma identidade política e emocional com o tema em questão. São situações e culturas que me emocionam, que me mobilizam. Então, com a diferença de cada um, com a particularidade de cada um, todos têm a mesma dimensão em termos de importância e de emoção. Por mais que na Palestina a situação tenha sido mais drástica, por conta de um conflito militar mais direto, e que isso tenha implicado em situações de morte e dor, de modo direto todos são fragmentos de uma mesma coisa, e acabam compondo assim um sentido comum.

Foto: Sophia Morais
Foto: Sophia Morais

Agenda Arte e Cultura – Falando sobre o seu tempo na Palestina, você se referiu à sua câmera como sua pedra, como forma de resistência à ocupação israelense. Como esta maneira particular de se colocar como fotógrafo – a favor dos que não tem voz – atinge o público?

Rogério Ferrari – O “minha câmera, minha pedra” se remete a quando fui retratar a Palestina. A intenção clara era, através da fotografia, mostrar o ponto de vista dos palestinos, que, excetuando-se nos espaços de informação mais alternativos, não é muito difundido. Daí o porquê de dizer que esse era um objetivo claro e, ao mesmo tempo, saber que a câmera tinha essa analogia com pedra enquanto intenção de que ela fosse uma arma contra a ocupação.

Eu não busquei uma suposta objetividade jornalística, nem um certo distanciamento. A minha condição de fotógrafo não implicou em uma diferença entre a minha condição enquanto sujeito-indivíduo, com uma posição política diante daquele conflito. Então a minha câmera era a minha pedra, porque com ela eu estava lançando algo com uma direção e intenção claras, de maneira que pudesse golpear ou atingir esse aspecto da ocupação que está relacionado à produção da mentira, uma vez que coloca os palestinos como terroristas.

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