Cia Estupor de Teatro debate questões de gênero em espetáculo

II espetáculo da trilogia Identidade e Gênero fica em cartaz até dia 17 de junho no Teatro do Movimento, na Escola de Dança

Por Greice Mara

Imagina só unir relatos de pessoas que sofreram opressão de gênero com pesquisa sobre o Teatro do Oprimido. É exatamente essa a premissa do espetáculo “História delas: algumas questões sobre gênero”, o segundo de uma trilogia  que têm como ponto principal abordar indagações relacionadas a gênero. A ideia de trabalhar com o tema, segundo Dinah Pereira, coordenadora geral do projeto e pesquisadora especializada em Teatro do Oprimido, surgiu ao ver pessoas do seu convívio sofrendo opressão.   

As pesquisas, discussões conceituais e engajamento da obra foram pensados a partir de concepções teóricas e políticas de autoras feministas como Chimamanda Ngozi, Heleieth Saffioti, Judith Butler, Rita Segato, dentre outras. Para a montagem da peça houve todo um cuidado para respeitar a interseccionalidade – pluralidade na qual os gêneros estão envolvidos. Por isso, Dinah afirma que não há implicação com uma dramaturgia aristotélica, com início, meio e fim. Não se trata de contar uma história e sim de memórias flashes e sensações.

Dentro do embasamento teórico, Dinah conta que a professora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) e uma das responsáveis pela sonoplastia do espetáculo Laila Rosa a apresentou obras sobre o feminismo e suas vertentes. A questão da interseccionalidade dos gêneros é um ponto fundamental para o desenvolvimento da obra. “Se eu tivesse que  fazer uma peça aristotélica, uma fábula que tem início, meio e fim, eu iria ser muito injusta, porque não iria abarcar essa interseccionalidade, do quão diverso é isso”, afirma Dinah. A diretora acredita que as questões relacionadas a gênero são políticas e a ideia de associar as referências teóricas com as experiências dos envolvidos na obra funcionam como uma maneira de enfatizar posições.

Apesar de ter respaldo conceitual, Dinah relata que não tem pretensão de debater gênero de forma teórica e que por isso resolveu usar memórias e relatos. Ela  conta que as experiências apresentadas na peça são relatos de pessoas que são ou foram de seu convívio, dentro ou não do grupo de pesquisa. “Todas as histórias que são contadas aqui são histórias que, ou já vivemos ou de pessoas que passaram por aqui viveram e deixaram esse relato aqui com a gente”, afirma a professora.

Dinah espera, com essa obra, suscitar questões e debates. Para ela, o espetáculo não deve causar o incômodo que o primeiro da trilogia -“X ou Y? Algumas Questões Sobre Gênero” – causou por ter tratado de uma maneira consideravelmente profunda sobre a transsexualidade. A pesquisadora argumenta que o enredo de Histórias Delas passou por várias mudanças desde o início por conta da diversidade do tema e, consecutivamente, das muitas possibilidades de se criar um espetáculo com ele.“São zilhões de possibilidades, e você fica com o que? Talvez o que a gente tenha escolhido não seja a melhor das escolhas, mas foi o que mais tocou nosso coração”, pondera.

“História delas: algumas questões sobre gênero” é uma produção da Cia Estupor de Teatro. A peça é dirigida por Dinah Pereira e Thiago Carvalho. O elenco é composto por Mariana Lima, Nayara Brito e Xan Marçall. O espetáculo é apresentado  no Teatro do Movimento, na Escola de Dança da UFBA de quinta a sábado, até 17 de junho sempre às 19h. O espetáculo é gratuito.

1º espetáculo

A primeira montagem da trilogia foi “X ou Y? Algumas Questões Sobre Gênero”. A obra abordava a questão trans e se passava em uma mesa de cirurgia. Assim como História Delas, X ou Y usou como suporte a metáfora proposta por Walter Benjamin – a do trabalho de Penélope, a memória dos atores envolvidos no processo de criação dramatúrgica e cênica. A partir disso, constituiu o ponto de partida para provocar a noção de gênero como repetição de atos, gestos e signos do âmbito cultural. Numa performance que reuniu música, poesia e expressão corporal. O espetáculo ficou em cartaz no Palacete das Artes em 2015.

3º espetáculo

Após a temporada do História Delas, fica faltando apenas mais um espetáculo para encerrar a trilogia Identidade e Gênero. Dinah Pereira revelou que já tem um projeto pensado para a próxima peça e que este já foi aceito pelo  CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A pesquisadora pretende iniciar a obra como um espetáculo comum e terminar como teatro fórum, uma técnica de Augusto Boal na qual é apresentada uma situação de opressão, um anti-modelo e cabe ao espectador intervir e “derrubar” o opressor. “Significa que no próximo espetáculo eu vou dizer tudo que é politicamente incorreto sobre gênero e vou convidar o espectador para mostrar o politicamente correto”, explica Dinah.

Cia Estupor de Teatro

A Cia Estupor de Teatro foi fundada em 2003 por Dinah Pereira, pós-doutora em Dramaturgia e Carol Vieira, doutora em Educação e Professora Adjunta da Universidade Federal do Ceará (UFC). Dinah relata que a criação da Cia se deu pelo fato dela trabalhar muito com opressão e memórias de vida e que o conceito de estupor é uma interrupção da memória, da capacidade de narrar. De sua criação até hoje, a Cia já montou “Um dia na vida de uma Enfermeira” (2004), “Só o Faraó Tem Alma” (2004), “O Futuro Está Nos Ovos” (2006), “A Morte nos Olhos” (2007), “A Memória Ferida” (2008), “Na Outra Margem” e “X ou Y? Algumas questões sobre gênero (2015)”. Em 2011 ganhou o Prêmio Eletrobrás/Chesf e efetuou uma turnê por seis capitais brasileiras com a “Trilogia Memórias”.

 

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *