COATO: o grupo de teatro que não gosta de representar

Com 2 anos de estrada, o coletivo que aborda questões sociais foi selecionado para dois importantes festivais nacionais                      

Por Rafaela Oliveira

Imagine sete pessoas. Todas apaixonadas por teatro, porém com habilidades diferentes. De repente essas pessoas resolvem formar um coletivo e, em dois anos, produzem dois grandes espetáculos e são selecionados para importantes festivais nacionais, o Festival Estudantil de Teatro (FETO)  e o Nordestino de Teatro de Guaramiranga(FNT), ambos destinados ao teatro universitário. Essa é a história do COATO, grupo de teatro que nasceu na Escola de Belas Artes da UFBA (EBA) e vem se espalhando por todo país.

Formado por Roberta Nascimento, Danilo Lima, Simone Portugal, Bernardo Oliveira, Natiele Santos, Jamile Cazumbá e Marcus Lobo – o grande diferencial do COATO é o discurso direto. Palco longe, pessoas encenando e você de pernas cruzadas assistindo? Esqueça. “No nosso trabalho a gente pretende sempre falar abertamente com o público, a gente fala com aquela pessoa considerando que ela está ali”, declara Simone. Além do olho no olho, os espetáculos costumam abordar temas sociais e políticos que estão  em pauta e precisam ser discutidos. “Nunca alguém do COATO vai dar um texto sobre algo que ele não crê, ele precisa acreditar naquilo para conseguir falar com você de forma verdadeira. Nós não representamos, sempre apresentamos algo que seja real”, completa.

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Arquivo COATO

Após a aprovação nos dois festivais, o grupo comemora mais uma vitória: ganharam um edital de mobilidade artística e irão passar um mês e meio em São Paulo no ano que vem. “Um dos nossos maiores sonhos é conseguir espaço na cena teatral de Salvador e estamos conseguindo isso, foi uma grande conquista”, afirmou Marcus Lobo, integrante e um dos fundadores do grupo. O projeto, que é uma iniciativa do grupo com patrocínio do Governo do Estado, contará com a presença do grupo Phila7 (São Paulo), coletivo liderado por Rubens Velloso e um dos pioneiros no trabalho com novas mídias e linguagens tecnológicas para a cena teatral e o Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas: Corpoaudiovisual (Salvador), dirigido pela Professora Doutora Ivani Santana.

Se para algumas pessoas conviver em grupo é uma tarefa difícil, para eles, não há nada de complicado nisso, pelo contrário. Sem uma relação hierárquica, o coletivo é formado, antes de tudo, por amigos. Não existem diretores, todo o processo tem a participação direta e igual de todos eles. “Temos a função do observador/provocador, alguém que se dedica a olhar, provocar e experimentar junto aos performers e a partir desse olhar externo consegue encaminhar a encenação”, relatou Lobo.

Produção – Com dois anos de história, o COATO produziu dois grandes espetáculos: “Arquivo 64/15” e “Maçã”. Além do foco em questões sociais e políticas, ambos utilizam de recursos tecnológicos e midiáticos nas apresentações. Em “Arquivo 64/15”, o objetivo era discutir os impactos e os reflexos da ditadura militar no Brasil. O ponto de partida é o paralelo traçado entre as manifestações pré-Golpe de 64 e as atuais manifestações decorrentes da crise econômica e política do país. “Queríamos fazer um apanhado histórico, contar para as pessoas o que foi esse período e qual a consequência disso”, explicou Simone. Em “Maçã”, o objetivo era discutir o lugar da mulher na sociedade. “A nossa maçã é urgente, necessária e veio como um grito do COATO mediante a tanta brutalidade e falta de percepção social com relação às mulheres”, alegou Danilo Lima.

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Cena do espetáculo Maça / Arquivo COATO

O processo criativo de “Maçã” foi algo muito importante na formação do grupo. “Quando descobrimos a dimensão da encenação e do cenário, colchões infláveis, percebemos que precisaríamos de um espaço amplo e disponível para experimentações”, comentou Lobo. Após visitar o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAB) e descobrir que havia um local vazio e totalmente inutilizado, o grupo percebeu  que poderiam fazer coisas incríveis ali. Foram atrás de toda burocracia necessária e conseguiram ocupar o lugar durante quatro meses. “Foi preponderante ocupar esse espaço em todo o processo. A gente podia pintar as paredes, mexer no teto, desenhar. Era um espaço nosso”, complementou.

O esforço valeu a pena. Após os quatro meses de ocupação, o grupo realizou oito apresentações gratuitas e todas foram um sucesso, atingindo o número máximo de público todos os dias. “Depois disso, resolvemos empreender o trabalho, escrever sobre ele. Captamos recursos, nos inscrevemos em editais e fizemos uma temporada no teatro Gregório de Matos”, relatou Marcus. O grupo ganhou o prêmio de espetáculo destaque no  (Festival Nacional Ipitanga de Teatro) (FIT), que aconteceu em Lauro de Freitas e logo depois viajaram para se apresentar no Ceará. “Maçã” também foi o espetáculo que rendeu ao COATO a aprovação nos festivais FETO e FNT.

Dificuldades – Apesar das grandes conquistas em tão pouco tempo, as dificuldades são muitas. Danilo confessa que o grupo tem ensaiado no apartamento de um dos membros. Segundo ele, o espaço já vem sendo cogitado para realizar experimentações abertas ao público, já que tem passam bastante tempo praticando o ofício teatral lá. O artista ainda reclama da falta de divulgação dos espaços públicos vazios. “Existem vários espaços ociosos em Salvador, assim como o laboratório do MAB, que só não são ocupados porque nem sabemos que eles existem”, garante. O grupo também reclama da falta de disponibilidade do Teatro Martim Gonçalves, que é um espaço da Universidade que os próprios estudantes quase não têm acesso por conta da alta demanda. Segundo eles, uma questão de organização e dialogo entre estudantes e a gestão.

Outro problema é a questão financeira, já que os festivais não custeiam passagens. “Precisamos ficar responsáveis por tudo, estamos nos autoproduzindo para conseguir nos manter e nos sustentar enquanto grupo”, destaca Simone. “A gente se dedica muito, mas justamente por termos necessidade de nos desdobrar em outros trabalhos para conseguir dinheiro para o coletivo, às vezes não conseguimos tempo suficiente para nos dedicar de forma integral”, lamenta Lima. Apesar disso, eles confessam que tudo é capaz de trazer uma experiência nova e afirmam que como se recusam a se apresentar “dentro da caixa”, aprendem todos os dias novas possibilidades de fazer teatro.

 

Além de uma temporada nova de “Maçã” em Salvador no mês de novembro, o que não falta para o COATO são planos. “Queremos permanecer sinceros naquilo que apresentamos para a sociedade”, ressalta Danilo. E Simone completa “o meu grande sonho é que todos nós consigamos nos sustentar trabalhando apenas no grupo”.
Com o objetivo de arrecadar R$ 5.000,00  para viabilizar a viagem do grupo para o FETO, o Coato criou uma espécie de vaquinha online, onde qualquer pessoa pode doar uma quantia em dinheiro para ajudar o grupo.

 

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