Espetáculo de dança inspirado em Ingmar Bergman emociona público

Por Natácia Guimarães

“A solidão de duas pessoas é um fato”. O impacto dessa frase de Ingmar Bergman, citada logo no início do espetáculo, criou uma atmosfera de drama que invadiu o Teatro Molière, no Sábado, dia 26 de abril, na Aliança Francesa. O trecho, extraído da autobiografia “Lanterna Mágica”, do cineasta sueco, é um dos pensamentos que permeiam os movimentos de “Sem tu não pode haver em eu”, espetáculo trazido ao Vivadança pela companhia do coreógrafo português Paulo Ribeiro, e que se lançou à tarefa de criar imagens cênicas a partir de sensações do universo de Bergman: autoconhecimento, paixão, angústia.

O solo tem uma coreografia ao mesmo tempo densa e leve, que expressa diversos sentimentos do ser humano. O espetáculo retira as máscaras sociais, escancarando a fragilidade, tristeza, alegria, conflitos a que todos os indivíduos estão suscetíveis ao longo da vida. A plateia estava lotada e em total sintonia com o solo. Os sentimentos são tão intensos nas coreografia que,  da plateia, era possível senti-los a cada manobra do dançarino.  O solo conseguiu atrair a atenção da plateia do inicio ao fim do espetáculo. Jogos de luz  e sombra permitiram  tornar o clima mais  intimista. A trilha sonora do espetáculo é uma mistura de jazz, com músicas de Bach e – através da sensibilidade dos movimentos em conjunto com a trilha sonora-  transferiu para a plateia momentos de lembranças e reflexões .

O espetáculo de dança é inspirado na obra do cineasta sueco Ingmar Bergman e traz traços específicos da cinematografia de Bergman- questões existenciais de fé, solidão e mortalidade. “O Ingmar [Bergman] é uma viagem à humanidade, uma viagem à nossa essência. Cada palavra no Ingmar é preciosa, cada palavra é uma palavra que desagua noutro sítio, sempre em movimento, em transição”, disse Paulo Ribeiro em uma entrevista concedida a outro veiculo de comunicação.  O espetáculo se divide entre partes de áudio de trechos de Bergman  que analisam a questão existencial, música e silêncio. O coreografo expõe um domínio impecável sobre os movimentos. “Ele explode. Internamente e externamente ele consegue fazer essa explosão. É a criação de todo o movimento. Isso é uma coisa fantástica. O movimento nasce da expressão” disse Magnólia Costa que estava na plateia.

A obra de Bergman, extremamente densa e dramática, é dançada num tom de, ao mesmo tempo, leveza, reflexão e dor. É possível ver características da personagem do filme Persona como Elisabeth Vogler. A personagem no filme é uma atriz que teve uma crise de surto e, a partir desse momento, decide isolar-se do mundo e permanecer em constante silêncio. O filme vai revelando os motivos desse “surto” pelos sentimentos e convívio da sua enfermeira e os dramas de viver em uma sociedade na qual a aparência parecer ser algo muito mais relevante que a essência.
O coreógrafo
Natural de Lisboa, fez carreira como bailarino em várias companhias belgas e francesas até tornar-se coreógrafo. A estreia nessa função aconteceu em 1984, em Paris, no âmbito da companhia Stridanse, da qual foi co-fundador.
Em  Portugal, em 1988, começou por colaborar com a Companhia de Dança de Lisboa e com o Ballet Gulbenkian, para os quais criou, respectivamente, Taquicardia (Prémio Revelação do jornal Sete, em 1988) e Ad Vitam. Com o solo Modo de utilização, interpretado por si próprio, representou Portugal no Festival Europália 91, em Bruxelas.
A sua carreira de coreógrafo expandiu-se no plano internacional a partir de 1991, com a criação de obras para companhias de renome: Nederlands Dans Theater II (Encantados de servi-lo e Waiting for Volúpia), Nederlands Dans Theater III (New Age); Grand Théâtre de Genève (Une Histoire de Passion); Centre Chorégraphique de Nevers, Bourgogne (Le Cygne Renversé); Ballet de Lorraine (White Feeling e Organic Beat). Para o Ballet Gulbenkian, criou ainda: Percursos Oscilantes, Inquilinos, Quatro Árias de Ópera, Comédia Off -1, White e Organic Beat, Organic Cage, Organic Feeling.

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