A intensidade sutil de Wall

Quem é este artista da música, do teatro e da poesia, que faz da vida a sua inspiração?                   

Por: Glenda Dantas

Estudante do 3º semestre de Produção Cultural  na Facom/UFBA. Apenas 20 anos de idade e uma rotina cheia de atribuições, responsabilidades e realizações de sonhos. Um rapaz alto e magro que carrega no rosto um semblante sério e sincero, que se revela  nas letras de rap que escreve e entona com muita rima e destreza. Ele canta letras de resistência, conscientização e alerta, que são frutos de vivências pessoais, mas que se assemelham a de muitos outros jovens negros brasileiros. Essas são apenas algumas palavras para descrever o jovem baiano Wallace Cardozo.

A relação do estudante  com a produção de raps começou em 2012, quando fazia o ensino médio técnico em Informática no IFBA. Ele foi designado, junto com um colega com quem partilhava o título de  ‘bagunceiro’ da turma, a escrever um rap com a temática “O centenário de Luiz Gonzaga”. Foi assim que surgiu “Contraste Quente”. A letra bem elaborada e cheia de conteúdo foi ovacionada pelos colegas, que requisitaram outra letra para a Semana de Consciência Negra, em novembro de 2013. Dessa vez, o fruto foi “Ainda Existe Escravidão”, também sucesso absoluto.

Decidido a continuar com o projeto, Wallace, junto com os colegas Wesley Correia e Lucas Santiago formaram o grupo WWL RAP, que lançou, em 2016, o EP “Tinha que ser Preto”. O grupo também lançou  músicas isoladas cantadas em shows e que possuem videoclipes. Foi também no IFBA que Wallace decidiu ingressar na UFBA. “Eu já fazia eventos de rap no meu bairro, então escolhi algo com o que eu tinha uma identificação prática. Na universidade, eu vivencio a proximidade teórica. Eu  me encontrei”, conta o futuro produtor cultural.

Não satisfeito com a rotina de rapper e estudante, Wallace ainda  integra a equipe do Programa de Educação Tutorial (PETCOM), onde, dentre outras coisas, escreve textos, pesquisas e promove oficinas de fotografia em escolas públicas da capital. O jovem também é membro da Cia de Teatro de Lauro de Freitas. Para ele, “o teatro é terapêutico e libertador”, mas lamenta o afastamento recente, ocasionado pelas demandas acadêmicas.

No ‘tempo livre’, Wallace gosta de assistir filmes, ler livros, ir à praia, sair com amigos, e ainda consegue brechas para  “uma das coisas que mais gosto de fazer na vida”: recitar poesias de sua própria autoria nos ônibus. “Quando eu estou com muita coisa na cabeça, vou para os ônibus declamar poesia, pois me acalma e é muito gratificante”, declara.

Apesar de sua relação com o rap hoje ser harmoniosa, nem sempre foi assim. Quando mais novo, Wallace ouvia Marcelo D2, artista quem ele é fã, mas “não sabia que aquilo era rap. Vivi uma fase na qual  eu falava que rap não era o meu estilo, mas eu já gostava, só não sabia ainda”. Além de D2, que sempre foi sua principal referência, na lista ele insere também Racionais, Sabotage e Emicida. “Eu nunca fui muito de curtir rappers internacionais. Prefiro os nacionais, mas não algumas vertentes de ostentação ou que põem as drogas como algo positivo. O movimento Hip Hop como um todo é símbolo de luta e resistência, então acredito que essas letras não tem muito a acrescentar”.

Em dezembro de 2017, Wall, como assina nas músicas, lançou seu primeiro clipe solo, fruto de parcerias e permutas entre amigos e conhecidos. “Eu sempre quis fazer algo em que eu tivesse pensado no roteiro, na estética, na letra. Em resumo, eu queria ter liberdade de criar”. A letra da música surgiu numa viagem de ônibus. Pensando em afroconveniência e em preto ter virado moda, ele escreveu, no bloco de notas do celular, a primeira frase: “Eu já era preto antes de virar moda”, mesmo sem imaginar que se tornaria música. “Minhas ideias surgem assim, sempre muito espontâneas, quando parei para juntar os pedaços, já tinha escrito a metade”, conta.

Entre rimas como “Para me tornar esclarecido, o que eu faço é escurecer minhas referências”; “A empregada é quase da família” e ”Militantes de internet que não saem do texto”, “Coisa de Preto” escancara as mazelas sociais e raciais e conduz muitos ouvintes a se identificarem e emocionarem. A  receptividade ao trabalho do rapper pode ser aferida pelos comentários deixados no youtube. “Som recheado de conceito , ancestralidade  e muita exposição da realidade. Obrigado por escrever esses versos”; “Incrível a música e o vídeo, fiquei arrepiado”;  “Da poesia à realidade, da batida à conscientização,  muito bom!!!”, são alguns dos exemplos.

“O meu intuito é falar o que vivo, que é o que tenho propriedade. Se eu tenho a chance de atingir um público, mesmo que pequeno, de jovens como eu, que tiveram infâncias parecidas, eu me sinto responsável em ser fonte inspiração”, explica Wall. Para ele, o rap é ferramenta de conscientização, e deve servir tanto para mostrar às crianças e aos jovens negros e negras, que eles são bonitos, inteligentes e capazes, quanto para alertar aos perigos que os afligem.

O rapper afirma que produzir músicas requer tempo e dedicação, por isso ainda não consegue vislumbrar o rap como fonte de sustento. “Eu espero ter algum retorno financeiro, mas, por hora, a graduação é o meu porto seguro, pois eu sei que se eu não me tornar rapper, ainda estarei engajado na área cultural”, revela.

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