Agenda na Saladearte: Você Não Estava Aqui é um exercício de empatia pela “uberização” do trabalho

Por Jô Stella e Mariana Gomes

Você Não Estava Aqui conta a história de uma família inglesa afetada pela crise econômica de 2008 e que passa a viver de bicos e subempregos para subsistir. Dirigido por Ken Loach, o filme trata principalmente das novas condições de trabalho que têm surgido e do seu impacto nas relações familiares e na qualidade de vida dos cidadãos.

Ricky (Kris Hitchen), pai de uma família, se associa a uma empresa de entregas. Para entrar no negócio ele compra uma van e trabalha em um sistema similar ao utilizado por plataformas como o Uber. Enquanto Ricky trabalha cerca de catorze horas por dia para monetizar, sua esposa Abbie (Debbie Honeywood), cumpre a mesma jornada se deslocando de ônibus para cumprir seu cronograma de visitas como cuidadora. 

O roteiro se desenvolve com cenas que demonstram o que cada personagem da família assimila dessa situação. Seja o trajeto até o trabalho dos pais, ou a rotina dos filhos, que tem que lidar com o ócio e a saudade dos finais de semana juntos.

Em Você Não Estava Aqui também somos apresentados a personagens secundários e como se relacionam com os aplicativos de prestação de serviço e as dificuldades da vida numa crise econômica. Cada personagem, uma provocação: a proteção dos dados digitais, a noção de empregado versus empresário, o desejo da família unida. Para isso, a fotografia, com tons acinzentados, além de nos imergir no contexto climático da Inglaterra, utiliza de closes e outros planos para capturar as expressões de cada personagem-provocação.

E é através de cenas cotidianas, não do apelo de uma transformação abrupta da miséria ou da exploração, somos empurrados a exercitar a empatia com as histórias que inspiram o enredo. É daí que surge a pergunta que a História sempre nos cobra: onde estávamos quando deixamos tudo isso acontecer?

É interessante observar que até mesmo países historicamente privilegiados pelo colonialismo, como a Inglaterra, estão sendo afetados por esse processo de desumanização da mão de obra, um retrocesso que lembra o período das grandes guerras do século passado e da luta de classes por direitos trabalhistas mínimos. 

Há 10 anos do prazo da Agenda 2030 pelos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), as próximas gerações vão nos perguntar: o que fizemos contra a exploração das pessoas?  Você Não Estava Aqui nos convida a aguçarmos nossos olhares críticos sobre o mundo que queremos viver.

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