Ancestralidade no mês da consciência negra

Por João Bertonie

Crioridade. Essa palavra, inexistente nas gramáticas, foi bastante citada pelo professor Marielson Carvalho, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), durante a palestra “Cancioneiro visual de uma Bahia negra”. O evento ocorreu na Sala Carybé do Museu Afrobrasileiro (Mafro), no Largo do Terreiro de Jesus, Pelourinho, na última quarta-feira, 12, e integrou a terceira edição do “Mafro e Você”. Na ocasião, Carvalho enfatizou que as marcas culturais que nós compreendemos como heranças africanas passaram por um momento de encontro com a influência branca e indígena, gerando a presença da crioridade em nossa cultura.

O professor falou também sobre a necessidade de pesquisas acerca da reinvenção da “música afrobaiana”, expressão musical que evidencia a raiz africana, cujo maior expoente foi Dorival Caymmi (1914 – 2008). “Ainda não se tem o trabalho na Bahia de uma narrativa musical da África pop”, afirmou. Por “África pop”, ele se refere a uma música moderna, que seja uma junção das “matrizes culturais transatlânticas”.

Caymmi, inclusive, foi também uma referência no campo das artes visuais, protagonizando o que Carvalho chama de “cancioneiro visual baiano”. Em pelo menos duas ocasiões, o compositor soteropolitano fez trabalhos notórios nas telas: em 1971, quando fez 12 quadros inspirados em suas próprias canções, como “João Valentão” e “O Que é Que a Baiana Tem?”, e em 1984, quando, em comemoração aos seus 70 anos, fez uma série de gravuras em pranchas, novamente inspirando-se em suas peças musicais. Tanto nas músicas quanto nos quadros, Dorival Caymmi, na visão do professor, representava duas “cidades negras”, ambas de Salvador: o Centro Histórico, que estendia-se de Santo Antônio Além do Carmo até a Praça da Sé, e Itapuã, um “bairro de pescadores”.

Outra referência no cancioneiro visual da Bahia apresentada foi a obra do artista plástico J. Cunha. No último Carnaval do Centro Histórico, Cunha, responsável pela decoração das ruas do Pelourinho, homenageou a “Bahia negra de Caymmi”, em seus quadros e gravuras. Segundo Carvalho, o artista não inspirou-se apenas nas canções do compositor baiano, que juntas somam 120, mas também em suas pinturas e desenhos, feitos e expostos pontualmente em sua carreira. “Dorival Caymmi está na memória musical e visual de todos os artistas baianos”, afirmou o professor.

Fotos: Milena Abreu
Professor Marielson Carvalho. Fotos: Milena Abreu

Doutorando em Literatura e Cultura no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (Ilufba), com o projeto “Atlântico Afrobaiano: textualidades, performances e trânsitos musicais entre África e Bahia”, ele trabalha com a perspectiva da crioridade desde seu mestrado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Sua dissertação sobre a identidade e memória cultural nas canções de Dorival Caymmi, intitulada “Acontece que eu sou baiano”, virou livro, recentemente editado pela Eduneb, a editora da universidade onde ele atualmente leciona.

MAFRO E VOCÊ

A palestra do professor Marielson Carvalho fez parte da terceira edição do Mafro e Você, programa do Museu Afrobrasileiro que realiza encontros todas as quartas-feiras de novembro, o mês da consciência negra. “É uma roda de conversa sobre as vertentes da africanidade da Bahia”, explica o coordenador do projeto, Marcos Rodrigues. Em seu terceiro ano, o Mafro e Você traz o tema da ancestralidade.

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