Alunos da UFBA promovem melhorias na vida das pessoas e das comunidades por meio das ACCS

Entenda como funciona e quais as vantagens dessa modalidade de disciplina disponível na universidade

Por Gabriel Moura

Ansiosa, Dona Valdemira, 83 anos, já espera na porta de casa a chegada da professora Larissa Chaves e das alunas da ACCS (Ação Curricular em Comunidade e Sociedade) “ENFC55 – Cuidado Domiciliar a Pessoas com Dependência na Comunidade”, que atende pessoas com necessidades especiais na comunidade do Calafate, na Fazenda Grande do Retiro”. Educada, pega cadeira para todos sentarem, oferece água e café. “Só não ofereço refrigerante porque não tem”, brinca.

Ela é casada desde os 14 com Seu Argemiro, 89 anos. Ele perdeu o movimento das pernas há quatro anos quando caiu de uma cadeira e quebrou o fêmur. Ele também sofre de Mal de Parkinson. As alunas e a professora promovem atendimentos nas áreas de enfermagem, nutrição, fisioterapia e psicologia a ele e a esposa.

“Olha meu filho, ‘xô te falar logo’. Isso aqui pra mim é tudo! Eu quase não saio de casa e não tenho condições de levá-lo para um bom hospital. Mas aí essas meninas vêm aqui, atendem eu e o meu marido muito bem, conversam comigo… É uma benção”, relata Dona Valdemira.

O atendimento dura quase duas horas. Examinam tudo, medem a pressão e glicemia. Fazem questionários com as perguntas mais variadas, desde a alimentação até a data de hoje, para testar a memória do Seu Argemiro, que responde corretamente e arranca sorrisos e aplausos de todos.

As alunas e a professora, além de duas tirocinistas, irão acompanhar a casa e a saúde de Dona Valdemira e Seu Argemiro e outras duas durante todo o semestre na comunidade do Calafate. As visitas ocorrem a cada 15 dias.

A estudante de enfermagem Alana dos Santos, que cursa a disciplina, descreve como ótima as experiências que adquire cursando essa matéria. “É um contato com o paciente que não tem acesso à saúde e, quando vamos lá, suprimos essa carência”, relata.

Além do atendimento médico, os estudantes pensam em instrumentos para melhorar a casa e adaptá-la à necessidade do paciente. “Nós usamos o dinheiro que a ACCS dá para gente (a universidade disponibiliza um máximo de  R$ 4 mil) para ajudar as pessoas. Já adaptamos camas, levamos colchão e fraldas. Temos uma vaga destinada para um estudante de arquitetura justamente para suprir essa demanda de adaptar a casa ao paciente”, conta a professora de enfermagem Larissa Chaves.

O que é ACCS?
ACCS é uma modalidade de disciplina nas quais os estudantes promovem atividades com o intuito de realizar uma integração maior entre a universidade e a comunidade, além de promover melhorias nos locais selecionados pelos professores para receber os atendimentos. Elas surgiram a partir do projeto “UFBA em Campo”.

“O projeto foi resultado de diversos seminários e consultas a grupos de professores de diversas unidades, a partir de minha intenção de transformar e renovar o discurso e práticas na área de educação e integração com a comunidade”, explica o professor Paulo Lima sobre o processo de formação do UFBA em Campo.

O projeto foi criado em 1997 para concretizar uma ideia de aproximação entre a UFBA e a comunidade do reitor Pedro Demo, que dirigia a universidade a época. No início alguns professores eram contra e era difícil atrair o estudantes. “Os trabalhos eram exaustivos e envolviam mergulhos em comunidade, viagens, e não ‘valiam nada’ para os tradicionais currículos”, conta o professor.

As ACCS surgiram como um dos programas desenvolvidos pelo “UFBA em Campo”. Para esse semestre foram disponibilizadas 58 disciplinas nesta modalidade, sendo que 42 contam com a ajuda financeira da universidade.

Aulas preparatórias
Uma outra disciplina neste formato é a “HACB79 – Promoção da Saúde e Qualidade de Vida”, em que os estudantes oferecem aulas preparatórias para o Enem com as disciplinas básicas como matemática, português e história, para os detentos do Presídio Feminino, na Mata Escura e a Colônia Penal Lafaiete Coutinho, em Castelo Branco.

“Os detentos sempre dizem que nós os fazemos sentirem-se como gente. Eles são pessoas que estão em uma situação difícil, mas são muito inteligentes e esforçados. Eu fico me perguntando: ‘se eles tivessem nascido em outra realidade, aposto que não teriam seguido o caminho que trilharam’”, relata, emocionada, a professora Maria Caputo, responsável pela disciplina. As visitas ocorrem semanalmente às quintas, pela manhã.

Para Maria, os atendimentos de saúde não são apenas os médicos, mas também o acesso à arte, educação, trabalho e segurança. “Ninguém está fazendo nada para que os detentos tenham acesso a uma qualidade de vida melhor e nós tentamos fazer a nossa parte”, explica a professora.

Caputo relata que o interesse dos detentos nas aulas é muito grande. “Eles são muito comprometidos. Sentam, prestam atenção, anotam tudo, perguntam. Quando os guardas atrasam para abrir as portas, eles batem nas celas para sair logo, já com o livro da mão. Nós temos que enfrentar os guardas às vezes também. Na última semana, eles atrasaram a saída dos prisioneiros e por isso a aula acabou passando do horário. Eles queriam que a gente saísse logo, mas a aula não tinha acabado. Nós tivemos que enfrentá-los para garantir que se os alunos têm vontade de aprender, que tenham a oportunidade”, conta.

A única lamentação da professora é a baixa busca dos alunos da UFBA pela disciplina. Atualmente, por exemplo, a disciplina não possui ninguém para ensinar matemática. “As pessoas sempre dizem que o mundo precisa ser um lugar melhor, mas quem realmente faz a sua parte para melhorar o local onde vive e a vida das pessoas?”, lamenta.

“Nós não temos dinheiro para dar, mas temos conhecimento, que não deveria ser um privilégio. Se é isso que temos, devemos compartilhar com quem precisa”, afirma a professora.

Ela também ressalta que a UFBA é uma instituição pública e por isso deve promover ações para melhorar a vida das pessoas e da comunidade.

Relato dos estudantes
Porém alguns estudantes sabem aproveitar o que é proposto pelas ACCS, como Fernando Silva, 21, do BI de Saúde, que já cursou mais de 10 ACCS, se emociona ao lembrar-se das experiências que teve ao cursar essas disciplinas. “Ver um pai de família com lágrimas nos olhos falando que quase metade do seu rebanho morria de fome ou sede, fazer um trabalho com ele para mudar isso e quando voltar lá saber que apenas um morreu é gratificante, pois essas pessoas precisam manter o seu gado vivo para poderem comer”, relata.

Já Juliana Brito, 20 anos, também do BI de Saúde, cursou uma ACCS que visitava um assentamento do MST. Ela ressalta que essa experiência serviu para ela perder alguns preconceitos que tinha sobre o movimento. “Eu conheci pessoas maravilhosas que me receberam muito bem e me inspiraram demais”, relata.

Fernando numa ACCS que realizava um trabalho de auxílio na caprinovinocultura na comunidade de Vista Bela (Foto: Acervo Pessoal)
Fernando realizou um trabalho de auxílio na caprinovinocultura na comunidade de Vista Bela (Foto: Acervo Pessoal)

Jurema Alves, 32, estudante do BI de Artes, já cursou duas disciplinas desta modalidade e com elas teve a oportunidade de conhecer diferentes culturas da Bahia, desde o Samba do Recôncavo a capoeira no Forte de Santo Antônio. “Essa experiência foi muito importante para o meu entendimento de cultura popular, na busca por nossas ancestralidades e raízes, além do respeito aos nossos mestres e o conhecimento dito ‘não acadêmico’”, relata a estudante.

Para ela, não houve dificuldade em conciliar o tempo entre as ACCS e as outras disciplinas. Ela teve que fazer três viagens durante o semestre. Já para a estudante do BI de Artes Sarah Luyze (22) foi mais difícil realizar essa conciliação. “Nós viajamos em cinco fins de semana ao longo do semestre, saíamos na sexta e voltávamos no domingo. Então se eu não me organizasse, não daria para dar conta dos estudos”, conta.

(Foto: Acervo Pessoal)
(Foto: Acervo Pessoal)

Ela cursou a ACCS “BIOB63: Mapeamento Biorregional Participativo em Comunidades Costeiras Tradicionais como Ferramenta para Educação Ambiental e Empoderamento Territorial”, no semestre 2017.1.  

“Nós produzimos e deixamos materiais que, para eles, servem de documentos para mostrar que eles existem no mapa, e para mim, enquanto estudante e pesquisadora, é importante dar essa devolutiva às pessoas”, conta a estudante que realizou as atividades na comunidade do Maracanã, na Ilha de Maré.

“Tem coisas que aprendi nesta disciplina que estando apenas no ambiente universitário, a gente não saberia. As pessoas da comunidade nos receberam de maneira que a universidade não acolhe, são pessoas maravilhosas”, conta a estudante sobre o aprendizado que obteve na ACCS.

Como criar ou cursar uma ACCS?

Para criar uma ACCS o professor deve apresentar o projeto para a Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT) para ser aprovado ou não. Semestralmente acontece um evento para explicar o procedimento para a criação destas disciplinas. “O PROEXT Explica é voltado para apresentar o edital do ACCS para novos e antigos professores, tiramos dúvidas de como submeter as propostas, pedimos sugestões, críticas”, conta o assistente administrativo Valreberson Virgens.

Ao criar a ACCS, o professor ganha no máximo 4 mil reais para desenvolver o projeto para custear as despesas de alimentação e transporte. O docente também tem direito a indicar um aluno bolsista e dois voluntários.

Caso o projeto não for aprovado pela PROEXT, o professor ainda assim pode criar uma ACCS, porém não receberá recursos financeiros desta Pró-reitoria. Ele pode tentar conseguir dinheiro com algum patrocínio ou mesmo de outro órgão da universidade.

Já o processo de matrícula para os estudantes é igual ao das disciplinas comuns, via matrícula web, presencial, lixão ou ajuste. O aluno precisa saber quais matérias desta modalidade estarão com vagas abertas para o seu curso para poderem se matricular.

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