Ba x Vi: a rivalidade dentro e fora de campo 

Violência entre as torcidas vem crescendo na capital baiana desde os anos de 2010

Por: Victor Hugo (parceria Agenda e COMB90*)

A paixão pelo futebol no Brasil é inegável, e essa paixão frequentemente se manifesta nas cores vibrantes, nos cantos fervorosos e nas demonstrações de apoio fervoroso das torcidas organizadas. No entanto, em algumas ocasiões, a rivalidade entre torcedores pode ultrapassar os limites saudáveis, resultando em cenas de violência que ameaçam a segurança de todos envolvidos.

“Essa é a beleza do esporte: às vezes você sorri, às vezes você chora”. Já dizia Pep Guardiola, atual técnico do Manchester City, mas infelizmente, não é o que podemos dizer quando se trata do futebol baiano com suas torcidas e sua linda festa nos estádios.

Nesta matéria, exploramos as origens da rivalidade, os fatores que alimentam a violência, os impactos na sociedade e as medidas que estão sendo tomadas para conter essa situação preocupante. A violência entre as torcidas organizadas de Bahia e Vitória é um desafio complexo que envolve não apenas o esporte, mas também questões sociais, de segurança pública e culturais.

“No campo da luta tu és o melhor?”

2013, dois torcedores morreram após confrontos entre organizadas. Um garoto de 14 anos foi baleado após um integrante da Bamor atirar contra torcedores da uniformizada Os Imbatíveis. Outro caso foi após o jogo Vitória x Santos, um torcedor rubro-negro foi cruelmente agredido com pauladas no subúrbio de Salvador, durante uma briga entre as duas torcidas, e morreu nove dias depois. 

O ano é 2017. Estava tudo se encaminhando para mais um grande clássico do futebol baiano. Nas arquibancadas, 15% da torcida foi mista entre tricolores e rubro-negros compartilhando o mesmo setor no estádio, além de uma grande campanha das duas organizações de manter a paz nos locais. Porém, não foi assim que aconteceram as três partidas daquele ano que foram disputadas, houve episódios de violências em todas. 

Em 10 de abril, no Ba-Vi que fechou a primeira fase do Campeonato Baiano, um torcedor tricolor de 17 anos morreu baleado nas imediações da Fonte Nova uma hora após a partida; um membro da organizada rubro-negra foi preso pelo crime. 

Após o ocorrido na Fonte Nova, um carro que levava três jogadores do Vitória embora do estádio foi atacado com dois tiros, novamente após o jogo. A segunda bala perfurou dois vidros do veículo e passou entre os passageiros, mas não houve feridos.

Já no segundo jogo da semi da Copa do Nordeste, uma pancadaria entre os próprios jogadores ocorreu após o apito final. Atletas dos dois times trocaram agressões na entrada do túnel que dá acesso aos vestiários. Na súmula, o árbitro afirmou que não foi possível detectar quem iniciou a confusão.

Em 2018 tudo aquilo poderia ter mudado e apagado da memória dos torcedores e amantes do futebol, no entanto, as duas torcidas voltaram a se encontrar depois de seis jogos restritos sem ocorrências graves. Dessa forma, a ideia do retorno da participação dos torcedores visitantes ganhou força e, no primeiro clássico daquele ano, a partida foi realizada com torcida mista, também pelo Baianão.

No entanto, aquele que deveria ser lembrado como o “Ba-Vi da Paz” ficou marcado por uma briga generalizada, nove jogadores expulsos e um fim precoce no Barradão. Desde então, a torcida única voltou aos estádios nos clássicos baianos.

Em entrevista, o presidente da Federação Baiana de Futebol (FBF), Ricardo Lima, relembrou o caso de 2018. “Não vamos ter pressa. Isso passa por um processo socioeducacional. Foge ao futebol. Somos a favor da alegria do futebol, mas primeiro somos a favor da preservação do ser humano”, afirmou. Assim, ressaltando que o importante é manter a calma e não se apressar com a retomada das torcidas. “Vários fatores devem ser levados em conta”, disse. 

Briga entre torcedores de Vitória e Bahia deixa feridos em Salvador. Foto: Reprodução G1
Briga entre torcedores de Vitória e Bahia deixa feridos em Salvador. Foto: Reprodução G1

Após o período pandêmico os torcedores ficaram fora dos estádios, e todos pensavam que agora as coisas iraim voltar a melhorar para as organizadas, mas aconteceu e não foi do jeito que esperavam. Em 2022, mais uma guerra das torcidas, a briga ocorreu no bairro do São Caetano, horas antes do jogo do Rubro-Negro, no ano do ocorrido o time do vitória estava na série C e os Imbatíveis (torcida organizada do Leão) foi cercada pela torcida da Bamor. Devido à situação, três pessoas ficaram feridas e outras 53 foram detidas pela Polícia Militar. 

Causa e Consequência 

A violência das torcidas organizadas vem sendo um problema recorrente no cenário do futebol não só baiano, mas a nível nacional, sempre em confrontos mais intensos dos times, os chamados “Clássicos”, é nítido ver os incidentes da criminalidade. Porém, não é o certo generalizar, já que muitas famílias, torcedores e apaixonados pelo esporte se reunia para ir aos estádios.  

Clássico acaba em briga com nove expulsões no ano de 2018. Foto: Reprodução Internet.
Clássico acaba em briga com nove expulsões no ano de 2018. Foto: Reprodução Internet.

Gustavo Figueredo, 18 anos, é estudante de Jornalismo e torcedor do Vitória. Nas suas horas vagas adora jogar bola, ler e se inteirar sobre o mundo do futebol, já que com mais dois amigos comanda uma página no twitter “X” intitulada Debate y Debate, com cerca de 31 mil seguidores. 

Mesmo tendo uma preocupação por ser uma figura pública e mostrar seu rosto durante as coberturas do Leão da Barra, Gustavo tem uma visão positiva do que pode ou não se tornar uma bola de neve no âmbito esportivo. “Sendo bem otimista, eu acredito que a violência envolvendo o futebol tem, sim, potencial para diminuir com o passar do tempo, mas é um problema que nunca vai ser resolvido por completo.” afirma. 

Uma das consequências mais agravantes dos conflitos das duas maiores do nordeste, além das brigas dentro e fora dos estádios, os vandalismos e as intervenções da polícia. São os prejuízos dados a equipe que perde a oportunidade de casa cheia e de estar perto da sua torcida. Exemplo disso é o medo de alguns torcedores. Como Eliete Dias, pedagoga de 52 anos, que conta que frequentava muito os jogos do seu time e por medo dos conflitos das organizadas e por pelo seu filho que na época ainda era pequeno deixou de acompanhar os jogos presencialmente.  

Assim aconteceu com Gustavo e sua família. “Eu continuo indo para os estádios, mas conheço várias pessoas, minha mãe é um exemplo, é o exemplo mais próximo que eu tenho disso. Ela não é torcedora fanática, mas comenta que gostaria de ir para alguns jogos, mas morre de medo da violência e prefere ficar em casa” disse.  

É assim que se resume nossa história!

Não é de agora que essa rivalidade vem se aflorando, são anos e anos de confronto, mas nem sempre foi o que vimos hoje. Na década de 30 os dois times não eram os maiores e nem os mais conhecidos no estado. O tricolor era um time novo e o Rubro- Negro ainda vivia a fase de transição para o futebol profissional. 

Torcidas dos Imbatíveis e da Bamor as maiores do estado da Bahia. Foto: reprodução Internet.
Torcidas dos Imbatíveis e da Bamor as maiores do estado da Bahia. Foto: reprodução Internet.

Contudo, como já foi analisado aqui, entender que a criminalidade não é só nas ruas e se perpassar até nos meio futebolísticos. As torcidas organizadas de Bahia e Vitória, conhecidas por nomes como Bamor e Os Imbatíveis, têm uma longa história de rivalidade e de confrontos violentos.  

O jornalista, escritor e torcedor do Bahia, Nestor Mendes, vive desde criança a realidade de ver o  crescimento dessas brigas que será mesmo que fazem sentido hoje? 

Nestor afirma que as torcidas “desorganizadas” são a alma e o coração dos dois times e que isso é o que ajuda a pagar boa parte do time e dos trabalhadores. “O que tem que ser feito é punir duramente os violentos, os criminosos — bani-los do futebol e dos estádios.”, desabafa. 

“O episódio de fevereiro de 2022, quando jogaram fogos no ônibus da delegação do Bahia, deixou uma sensação de impunidade no ar, mais uma vez. Não tem que aliviar para nenhum desses marginais. Os times duelam em campo, mas ninguém precisa brigar porque o outro não escolheu o mesmo clube. Foram e são muitos danos, tem que fazer como o STF está fazendo com os golpistas de 8 de janeiro: nada de contemporizar; é cadeia, mesmo.”, afirma.

A violência no futebol é apenas um microcosmo da violência que impera na nossa sociedade. Os membros do crime organizado e das milícias são parte, hoje, da nossa vida cotidiana. Infelizmente, assim como do nosso cotidiano, a luta para o fim está longe, mas para o futebol sempre há uma solução, o amor pela camisa, a paixão pelo seu time e o respeito deveria e devem ser primordial para entender que o esporte pode mudar vidas.  

No final da entrevista, o jornalista relembra de como tudo era tranquilo entre os torcedores e jogadores. “No estádio, a rivalidade no Ba-VI começa a se intensificar nos anos 1950 — em 1953, o Vitória ganha seu primeiro título estadual, desde a fundação do Bahia, em 1931. Os anos 1970, também, são de grande rivalidade, mas de convivência pacífica. Os anos 1990, com a violência grassando, traz para os estádios, e seus arredores, a selvageria e a barbaridade.” relata.

Apito Final 

Compreender a situação atual de Salvador é um pouco delicada e isso não só afeta a população no cotidiano indo para trabalho ou até mesmo no lazer. Hoje para muitos meninos e meninas o esporte é uma visão para um futuro melhor, seja no convívio social, seja para ter uma carreira. Mas onde entra a violência das torcidas organizadas? Como que isso pode abalar uma sociedade? 

Mascotes do Bahia e do Vitória. Foto: reprodução internet.
Mascotes do Bahia e do Vitória. Foto: reprodução internet.

Essas perguntas podem não ter uma resposta certa. Contudo, apenas o fator medo já é prejudicial e a falta de segurança nos bairros ajudam muito os torcedores de má índole a se enfrentarem, ocasionado mortes de inocentes, a insegurança de outros torcedores e, por fim, penalidades para os próprios times nos campeonatos. Mas a esperança para os estádios mais seguros não pode se apagar, nem que seja nos minutos finais do segundo tempo.

*Esta reportagem é uma parceria da Agenda Arte e Cultura com a disciplina COMB90 – Jornalismo Especializado (Facom/UFBA). Os textos são produções de estudantes de graduação em Jornalismo, sob supervisão da profª Drª Graciela Natansohn e da tirocinista Glenda Dantas.

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