Comunidade do Solar do Unhão: lugar de história, cultura e força

Comunidade localizada na Gamboa de Baixo respira sustentabilidade, união entre os moradores e abriga o Museu de Street Art Salvador. Matéria especial da Agenda Arte e Cultura será seguida sobre reportagem sobre o museu.

*Por Rayssa Guedes

“Não troco essa morada nem pelo lado esquerdo do Corredor da Vitória”, afirma João Batista da Silva, 83 anos e morador da Comunidade Solar do Unhão há 30. O local se caracteriza por ser um expressivo conjunto arquitetônico, integrado pelo Solar, pela Capela de Nossa Senhora da Conceição, cais, aqueduto, chafariz, senzala e um alambique com tanques. E além de sediar o famoso Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), o Solar do Unhão ainda abriga cerca de duas mil pessoas nas diversas casinhas coloridas que por lá se encontram e que há pouco tempo tornaram-se telas para pintores, grafiteiros e artistas plásticos.

Conduzindo o passeio pela comunidade, o morador João Batista conta que a comunidade permanece a mesma desde o início e explica: “Aqui sempre morou gente simples, mas trabalhadora, até mesmo porque morar aqui custa caro. Com um salário mínimo não dá pra viver aqui. Então quem mais mora aqui é família de morador antigo”, conta. Seu João trabalhava como pescador, mas há alguns anos deixou a profissão para cuidar mais de si e da região: todo dia, regularmente, ele faz a limpeza de toda a comunidade e da praia do Solar. Varre, cata o lixo e ainda busca conscientizar a população sobre o perigo da poluição nas ruas da localidade e da praia. Seu João, junto com o filho, ainda mantém uma cabana de sustentabilidade na praia do Solar, no qual cultivam uma pequena horta, reciclam barcos e obras de arte danificadas.

Seu João contribui diariamente com a limpeza e sustentabilidade da comunidade do Solar do Unhão.  Foto: Rayssa Guedes
Seu João contribui diariamente com a limpeza e sustentabilidade da comunidade do Solar do Unhão.
Foto: Rayssa Guedes

A cada rua que se anda e escada que se sobe, o encontro com algum personagem característico da comunidade torna-se inevitável: Etelvina, a parteira, Beiramar, que confecciona as redes dos pescadores, Renato Frota, professor voluntário de línguas estrangeiras, André Guilherme, que confecciona caxixis – instrumentos feitos de palha – ; Enita, a lavadeira da comunidade, entre tantos outros. Contudo, uma dentre essas personagens merece destaque: Suzana Sapucaia, mais conhecida como Dona Suzana, proprietária do RéRestaurante, que há algum tempo estava inativo. Com a chegada dos “meninos”, porém, – artistas do Museu de Street Art de Salvador [MUSAS] – e a realização constante de eventos, o vai-e-vem de artistas provocou o crescimento da economia local. “Eu não mexia mais com o restaurante porque não tinha movimento, aí não valia a pena. Depois que os meninos chegaram, toda semana vêm pessoas para almoçar com certa regularidade, isso já é um começo”, explica.

Dona Suzana mantém um restaurante visitado regularmente por artistas e visitantes do MUSAS. Foto: Rayssa Guedes
Dona Suzana mantém um restaurante visitado regularmente por artistas e visitantes do MUSAS.
Foto: Rayssa Guedes

O dia a dia dos moradores do Solar do Unhão é semelhante à de qualquer morador  de outra localidade: alguns trabalham fora, jovens e crianças vão à escola e outros trabalham na e pela própria comunidade. Renato Frota, estrangeiro, chegou há apenas três meses e já dá aulas de inglês para os moradores, de graça. Ele conta que mora com a companheira e sua filha recém-nascida: “Gita é soteropolitana e acredito que aqui seja um ótimo lugar para viver apesar do que dizem. Aqui não é perigoso como alguns falam, na verdade perigoso é todo lugar”, afirma o professor.

Localizada em frente à Baía de Todos os Santos, o mar inspira e também é fonte de renda para quem vive na comunidade. Beiramar, que confecciona redes de pesca e também é pescador desde jovem, assim como Seu João, vê no mar a possibilidade de ganhar seu dinheiro de forma digna e ainda fazer circular a economia local: “Parte do que pesco fica aqui mesmo na comunidade. Além de consumir os peixes existe uma cadeia de compra que passa do pescador para o vendedor e do vendedor para o cliente, todo mundo sai ganhando”, conta. Todos os dias, mais acentuadamente aos finais de semana, moradores da comunidade ou visitantes ocupam o espaço praiano para relaxar, aproveitar o mar e levar as crianças para brincar.

Foto: Rayssa Guedes
Foto: Rayssa Guedes

Mistura de passado, presente e futuro em um só lugar. Encantos de um tempo que já se foi e que se renova no aqui e agora.  Palco de histórias, muitas vezes ainda ocultas, e relíquia dos mais diversos povos, a Comunidade Solar do Unhão é o retrato de uma Salvador que poucos conhecem mas que muito contribuiu para a cidade que atualmente temos.

 

 

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