Iae TikTok, isso é jornalismo?

O jornalismo visualiza a plataforma como alternativa para atrair público

Por: Glenda Morais (parceria Agenda e COMB90*)

Twitter, Instagram, Facebook, WhatsApp. Esses são alguns exemplos de redes sociais utilizadas pelos nativos digitais, nascidos a partir do ano 2000, que cresceram em contato com as tecnologias digitais e hoje fazem parte do maior percentual de usuários de mídias sociais digitais. Essa geração adere a novos modelos de consumo e incorporam as tecnologias de maneira ampla em sua rotina de vida. Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2020 foi revelado que há 424 milhões de dispositivos digitais – computador, notebook, tablet e smartphone -, em uso no Brasil. Tal crescimento interfere também no mercado e força a adesão de novos formatos de trabalho, principalmente na área da comunicação.

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O crescimento do uso de plataformas digitais para a difusão de informação chama a atenção dos veículos de comunicação. Muitos usuários consomem informação apenas  pela internet  e diante dessa realidade o jornalismo vê cada vez mais a necessidade de investir no ambiente digital em detrimento dos formatos tradicionais. A pesquisa TIC Domicílios de 2022 identificou que entre os usuários da internet,  80% assistiram a vídeos, programas, filmes ou séries online e 56% leram jornais, revistas ou notícias online. A gradual mudança na forma de consumo dos públicos permite que a produção e distribuição de conteúdos seja pensada para atingir públicos específicos e gerar tráfego para outros canais do mesmo veículo, como sites e perfis em plataformas de streaming de podcast e vídeos.

A plataforma de vídeos curtos e sua influência

Na era digital, o TikTok é uma das principais redes sociais que vem revolucionando o consumo de informação de maneira instantânea. É uma ferramenta organizada com conteúdo em formato de vídeo em que seus usuários, chamados de tiktokers, realizam a produção, a postagem e compartilhamento de vídeos de 15 segundos, 30 segundos ou até 3 minutos. Foi criado na China em 2016 pela startup ByteDance e desde 2019 vem se popularizando devido ao isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, que aumentou o consumo de mídias digitais. Durante esse período, 2 milhões de pessoas realizaram  o download do aplicativo em todo o mundo, conforme a firma de consultoria de aplicativos Sensor Town. Além disso, segundo  a pesquisa feita pela Global Digital Overview 2023 com base em números publicados pelo ByteDance, o TikTok tinha 82, 21 milhões de usuários com 18 anos ou mais no Brasil no início deste ano.

O aplicativo se caracteriza pela dinamicidade e criatividade em suas produções. Os usuários podem interagir com outros membros dentro da plataforma seguindo seus perfis e conversando no privado, mas também podem editar seus vídeos com transições, efeitos e compartilhar dentro e fora da mídia. O TikTok pode ser acessado em 75 línguas e em 150 países diferentes e tem  como diferencial o alcance de um público estratégico, em que 66% de seus usuários têm menos de 30 anos, jovens majoritariamente com idades na faixa entre 15 e 25 anos, segundo dados da própria plataforma. 

Inserção da plataforma no jornalismo digital

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De maneira gradual, os veículos de imprensa passam a aderir a plataforma, justo por perceberem o grande potencial de engajamento de diversos públicos. Mas, para isso, há a necessidade de adequar a linguagem utilizada na construção do conteúdo noticioso, para que ele se torne atrativo e dinâmico.  Assim para enfrentar os desafios encontrados é necessário realizar um estudo da mídia para que a produção dentro da plataforma alcance o objetivo desejado. Para a repórter do Correio24horas e produtora de conteúdo do veículo no TikTok, Isis Cedraz, entender o público que consome assim como adaptar o conteúdo de maneira específica para cada rede social, são fundamentais para a atuação do veículo dentro dessas plataformas. “Para atrair público, o veículo, primeiro, precisa entender seu público, entender qual conteúdo consome em cada plataforma.”, afirma. 

Além disso, ela também ressalta a importância de identificar a diferença dos perfis dos usuários de cada plataforma e executar estratégias que sejam adequadas para cada um de maneira específica, visto que replicar conteúdos de uma mídia social para outra muitas vezes não tem o resultado desejado. “O público do jornal em que eu trabalho e que consome o conteúdo do Instagram é muito diferente do que consome o conteúdo do TikTok, por isso a gente costuma fazer alguns conteúdos específicos para TikTok, mas como nosso maior engajamento vem do Instagram, a gente acaba replicando muito no TikTok e às vezes não tem um resultado tão certeiro”,  explica a profissional.

Na identificação de acontecimentos relevantes para serem noticiados, a plataforma serve como uma boa fonte, visto que é possível gerar pautas que podem ser utilizadas pelos veículos e fomentar o agendamento noticioso. Segundo a repórter, o TikTok contribui também na criação de pautas relevantes para a  produção de matérias. “TikTok pauta todos os dias novas matérias, novos conteúdos, novas notícias. As coisas são utilizadas e a gente traz para o aplicativo, para o site do jornal, para o jornal impresso, assim como todas as outras plataformas, mas o TikTok tem um alcance de visualização muito grande, então por conta disso também que todos os dias o TikTok pauta vários jornais”, explica. 

Um exemplo citado pela jornalista é de um caso que repercutiu no TikTok em setembro de 2023, em que um policial agride verbalmente uma jovem estudante de Camaçari, região metropolitana de Salvador, devido ao retrovisor de seu carro que ficou danificado após um atropelamento. O vídeo na rede serviu como estratégia para analisar os principais assuntos e acontecimentos que vem acontecendo e que podem servir de pauta para diversas matérias produzidas pelo veículo. 

Isis Cedraz - Imagem: arquivo pessoal
Isis Cedraz – Imagem: arquivo pessoal

Cedraz acrescenta que esse novo formato funciona para um jornalismo que cada vez mais precisa se adequar e abraçar outras possibilidades de atuação. “Você está expandindo o jornalismo. A gente tem um ganho muito grande tanto para atrair público quanto para criar conteúdos diferentes de maneira jornalística, fiel aos fatos e aos eventos”, esclarece. 

Felipe Sena - Imagem: arquivo pessoal
Felipe Sena – Imagem: arquivo pessoal

Felipe Sena, estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia,  é usuário do TikTok desde o período de sua ascensão, durante a pandemia do Covid 19, fazendo consumo de conteúdos de veículos como Metrópoles e CNN. Hoje, mesmo não consumindo tanto quanto antes, o jovem estagiário do Jornal A Tarde tem um pensamento crítico sobre o jornalismo dentro da plataforma. Ao consumir conteúdo, Felipe não se sente seguro e enxerga a necessidade de adotar estratégias para não cair nas fakes news. “Dentro dessa plataforma eu acredito que é  [melhor]  procurar perfis que sejam oficiais, normalmente que sejam verificados”, afirma.

Para o estudante do curso de Bacharelado Interdisciplinar de Ciência e Tecnologia da UFBA, Juan Pina, a atuação do jornalismo dentro de TikTok é um desafio, mas não desconsidera a relevância de sua atuação. “Atrair o público é algo bastante desafiador” , opina, “mas eu acredito sim que é uma boa estratégia o jornalismo estar presente no TikTok”, ressalta o jovem de 19 anos.

Em confronto com a desinformação

Nesta era da comunicação através das mídias sociais digitais a liberdade de consumo e de propagação de informação por parte dos usuários cede espaço para a desinformação. O TikTok afirma de acodo com o Relatório de Aplicação de Diretrizes da Comunidade que vem adotando metodologias de moderação de conteúdo, removendo constantemente 1% ou menos de todo conteúdo publicado considerado violativo. Entretanto tais métodos são dotados de fragilidades, visto que segundo o site TecMundo, a mesma plataforma identificou nos primeiros seis meses do  período da pandemia 29 mil vídeos contendo informações falsas ou parcialmente falsas dentro de sua interface. Tal fato é prejudicial aos usuários, já que de acordo com o relatório da Reuters Institute Digital News, de um em cada cinco dos consumidores da plataforma, de entre 18 e 24 anos, se informa sobre o que está acontecendo exclusivamente pelo TikTok.

Além disso, no período eleitoral a mídia enfrenta desafios para combater a desinformação, visto que se torna um ambiente fértil para o compartilhamento de dados tendenciosos fortalecendo a polarização política. De acordo com o jornal O Globo, 60% dos vídeos compartilhados contendo informações falsas foram visualizados pelos usuários antes de serem removidos pela plataforma no primeiro trimestre do ano de 2022, em período de eleições nacionais. Ainda segundo a matéria, o TikTok  realizou um esforço de tentar diminuir esse índice ao enviar avisos a postagens com conteúdo falso, o que ajudou a reduzir o compartilhamento em 24%, porém diminuiu as visualizações em apenas 5%. Por meio dos algoritmos tal fato se intensifica, visto que mapeia as preferências dos usuários por meio de dados e entrega constantemente conteúdos similares de modo a influenciar o uso da plataforma.

O TikTok também serviu como espaço para recomendar conteúdos contendo informações infundadas  relacionadas  ao Projeto de Lei 2630, popularmente chamado de PL das Fake News. Segundo a reportagem do jornal Núcleo, nove de cada 10 vídeos sobre o PL2630 compartilhados na plataforma possui alguma informação falsa. Há conteúdos sugeridos na hashtag #PL2630 que chegam a ter 78,5 mil curtidas e 15,3 mil compartilhamentos. 

A PL 2630/2020 é um projeto que pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, destinado a regularizar o funcionamento de plataforma digitais e aplicativos de mensagens instantâneas com o objetivo de estabelecer diretrizes a veiculação de notícias, compartilhamento de conteúdo falso, relacionados a propaganda eleitoral e discurso político. As Big Techs são contra a PL ao argumentar que as plataformas assumiriam uma função já  exercida tradicionalmente pelo Poder Judiciário e que tal ato privalia a liberdade de expressão dos usuários, reduzindo a quantidade de conteúdos compartilhados, além de acarretar um série de processos judiciais as empresas de tecnologias.

Juan Pina em entrevista remota - Imagem: captura de tela por Glenda Morais
Juan Pina em entrevista remota – Imagem: captura de tela por Glenda Morais

Em entrevista, Juan Pina salienta que é desconfiado ao utilizar qualquer rede social e sempre procura checar as informações pesquisando em outros meios para confirmar a credibilidade dos conteúdos que está acessando. “Eu acho que nenhuma plataforma e nem o TikTok consegue passar confiabilidade, no sentido de gerar confiança para ver se realmente aquilo é verdade ou não. Eu digo isso porque a gente não sabe quem está do outro lado da tela […] qualquer pessoa pode facilmente te enganar em qualquer plataforma, especificamente no TikTok, mas parte da gente a busca dessa validação.”, ressalta o usuário.

Já por parte dos veículos, adotar estratégias de apuração é sempre a chave para desmentir qualquer informação falsa. Como uma delas, o Correio utiliza o “ronda”, realizando a comparação dos dados a partir de diferentes mídias. “A gente utiliza muito a estratégia de “ronda” que é realmente rodar pelas redes sociais a procura de notícias, a procura de eventos acontecidos, que a gente vai apurar e publicar ou não. E falando sobre credibilidade, eu atrelo isso principalmente a linha editorial do jornal que a gente trabalha.”, afirma Isis Cedraz.

Posicionamento do TikTok 

Segundo o CNN Brasil, a plataforma vem adotando medidas para tornar o ambiente um lugar seguro e livre de conteúdos enganosos. Para isso considera a atuação de veículos de comunicação assim como de jornalistas dentro de seu espaço o caminho para combater as fakes news e produzir conteúdos visando a verdade. A própria plataforma já considerou criar um feed com curadoria de conteúdos feitos por meio de fontes seguras que incluem agências de notícias.

Como parte das Diretrizes de Comunidade, o TikTok ressalta que vem adotando medidas para prevenir os dados de seus usuários por meio de protocolos e políticas de proteção, com iniciativas como, por exemplo, o Project Clover e o TikTok U.S. Data Security (USDS).  “Também continuamos atentos em nossos esforços para detectar ameaças externas e proteger a plataforma contra contas e interações falsas” explicam no site da plataforma. “Essas ameaças exploram e atacam persistentemente nossos sistemas, causando oscilações ocasionais nas métricas informadas nessas áreas. Apesar disso, nós permanecemos firmes em nosso compromisso de identificar e remover prontamente todas as contas, conteúdos ou atividades que buscam impulsionar artificialmente a popularidade na nossa plataforma” afirma o Relatório de aplicação das Diretrizes da plataforma TikTok. 

*Esta reportagem é uma parceria da Agenda Arte e Cultura com a disciplina COMB90 – Jornalismo Especializado (Facom/UFBA). Os textos são produções de estudantes de graduação em Jornalismo, sob supervisão da profª Drª Graciela Natansohn e da tirocinista Glenda Dantas.

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