História da UFBA é foco no Relatório da Comissão da Verdade

Por Carla Letícia Oliveira

Como ocorreu a ação da ditadura e seu modelo de repressão e autoritarismo na UFBA, sendo esta considerada como um espaço físico e político baseado na democracia e na liberdade ideológica? A resposta a essa pergunta, em todos os seus detalhes e aspectos mais intrínsecos, foi o foco principal durante os 30 minutos de palestra na última quarta-feira, 15, no auditório do Pavilhão de Aulas da Federação (PAF) III, em Ondina. O professor e presidente da Comissão da Verdade, Othon Jambeiro, apresentou, quase em forma de bate-papo, uma narrativa simples e rica sobre toda a história da universidade, em uma época ameaçadora para a sua existência e funcionamento.

Mais do que uma apresentação dos dados apurados pela Comissão e um parecer geral, a exposição do relatório foi um relato. Uma parte da história da UFBA foi trazida à reflexão do público por alguém que sofreu os efeitos da ditadura e que testemunhou muitos deles. O professor Jambeiro utilizou números, nomes e episódios importantes para revelar a constituição da memória de toda uma instituição.

Detalhes da dinâmica do processo de investigação e classificação feito pela Comissão, também foram apresentados ao público. Segundo o professor, encontrar documentos sigilosos de uma instituição federal, referentes àquele período, não é tarefa das mais fáceis. Porém, o relatório está finalizado e será entregue à presidente da república no dia 17 de dezembro. Com 700 páginas, o material apresenta dados que caracterizam e ajudam a esclarecer fatos ainda nebulosos das décadas seguintes ao Golpe, no tocante à comunidade acadêmica baiana.

Algumas questões são as principais para discuti-lo, e baseado nelas, o professor explicou e quantificou o relatório. A primeira especifica a atitude dos professores, estudantes e funcionários da UFBA em relação àquele período. Ele destaca o movimento estudantil, em contraste direto com a inércia dos servidores e docentes, como ponto forte na resistência da Bahia. “Os estudantes eram os que mais ofereciam perigo ao governo, logo, os mais vigiados”, disse ele. Vigilância que se tornou espionagem e agressão à medida que a ditadura seguiu seu curso.

Outra questão diz respeito à categorização da comunidade estudantil, que foi feita pelos militares, principalmente no período de 1922, quando aconteceu o nascimento de um partido comunista no Brasil. “Existiam, sim, comunistas na universidade, mas eles não foram a causa nem a consequência da repressão. Para os militares, aqueles que não apoiavam abertamente a ditadura, eram contra ela; e deviam ser duramente intimidados”, disse o professor. Ao citar diversos episódios verídicos e números ilustradores daquela época, ele enfatizou a historicidade contida em cada um, mantendo o foco no relato das torturas e retaliações que estudantes e mesmo professores sofriam.

Fotos: Carla Letícia Oliveira
Fotos: Carla Letícia Oliveira

Trazida pela última questão posta em pauta, há a ação prática da ditadura no funcionamento dos departamentos e da direção. “O governo passou a administrar as finanças da universidade, como forma de manter controle e vigilância contínua”, conta. Além de exemplificar com mostras de documentos e correspondências do gabinete do reitor, trazidas no relatório, que foram dadas como perdidas ou como documentos secretos. A autonomia da universidade foi corrompida para favorecimento do modelo de governo vigente, algo que hoje vai extremamente contra a proposta e o motivo da existência de um espaço acadêmico comunitário: a de um lugar próprio para o ensino e livre em sua administração. Contudo, ele ressalta: “Naquele tempo já existia o reconhecimento de que a universidade era um espaço especial na sociedade”.

Toda a trajetória da comunidade acadêmica ao longo do tempo é parte da constituição da nossa universidade, e os rememoramos como episódio essencial e absolutamente necessário para a formação da estrutura que hoje reconhecemos. O Relatório da Comissão da Verdade traz aí sua significância, como símbolo de busca pela história como instrumento que possibilita estudo e aprimoramento das estruturas atuais.

O professor Othon Jambeiro é professor da UFBA e preside a Comissão Milton Santos de Memória e Verdade há um ano, com o objetivo de recolher documentos e depoimentos necessários para contar o que se passou, a cerca de violações dos direitos humanos e liberdades individuais, entre 31 de março de 1964 e 05 de outubro de 1988, na universidade.

O Relatório da Comissão da Verdade foi mais um evento integrante da ACTA, Semana de Arte, Cultura, Ciência e Tecnologia 2014, que vai até a sexta-feira, 17.

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