Agenda na Saladearte: Papicha desfila liberdade em meio à guerra civil argelina

Por Mariana Gomes

Música pop, calças jeans, cabelos soltos. Como você imagina a vida de uma mulher num país islâmico? Está em cartaz, na Sala de Arte da UFBA, o longa-metragem Papicha, filme argelino indicado ao Oscar 2020. No enredo a história de uma jovem estilista, Nedjma (Lyna Khoudri) que aposta na moda para defender os valores da liberdade no contexto da guerra civil argelina, durante os anos de 1990.

Expressão artística, a moda é veículo da resistência feminina no filme. O desfile na universidade, ponto alto da narrativa, é palco das grandes tensões que a população argelina viveu no acirramento do fundamentalismo religioso. Ao trabalhar transformações políticas e religiosas na vida das mulheres durante a guerra civil, Papicha nos oferece a oportunidade de repensar o que nos chega no Ocidente acerca da vida em países islâmicos. Nedjma nutre amor ao seu país e por isso mesmo decide lutar por uma realidade acolhedora às mulheres. 

A atuação de Lyna Khoudri, atriz franco-argelina, é consistente. A direção do longa, realizada por Mounia Meddour, não produz passagens bruscas de posicionamento das personagens, sobretudo da principal. E Khoudri soube imprimir naturalidade na transição de postura: acompanhamos uma Nedjma que amadurece em decorrência das de violência da guerra, mas sem perder a vivacidade e os sonhos da juventude. Isso já rendeu a Khoudri o prêmio de melhor atriz na Mostra de Cinema de  Veneza.

Papicha não apresenta uma narrativa “enlatada” do que é empoderamento feminino. A obra aposta nos detalhes e percepções da personagem principal sobre o mundo para retratar maneiras diversas da resistência em sistemas autoritários. Apesar de Nedjma ser a figura mais rebelde da história, Papicha não descarta a história de outras mulheres. Através de situações como casamento, assédio sexual, gravidez precoce e os desafios de uma guerra, o enredo demonstra insubordinações cotidianas de Nedjma, suas amigas e suas familiares.

Destaque também para a retratação da violência no filme, sem banalidades. Vemos pelos olhos de Nedjma a confusão em se compreender uma Argélia em destruição e um povo diverso, disputando narrativas sobre o país, distribuído nas paisagens urbanas e rurais. O país africano vive atualmente tensões decorrente da ditadura de Abdelaziz Bouteflika, que estava no poder há 30 anos. Sem dúvida, o filme impacta os cidadãos argelinos e franceses que comungam da situação. Aqui no Brasil, a história nos traz reflexões sobre os caminhos do extremismo religioso e nacionalismo. Indicado ao Oscar, Papicha nos entrega uma narrativa bem elaborada. Frente a movimentos repressivos atuais por todo o mundo, Papicha é fôlego de liberdade através da moda e da resistência popular.

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