O futuro logo ali! Agricultura sustentável une cientistas do INCT IN-TREE e produtores rurais

A necessidade de investir em novas práticas gerou parceria

Claudiane Carvalho*

Preservar o meio ambiente e adotar novas práticas individuais e coletivas em relação ao planeta Terra são considerados desafios para a humanidade no século XXI. As ações predatórias do agronegócio começam a incomodar não apenas cientistas e ambientalistas, mas o setor econômico também solicita dos produtores uma nova postura e os consumidores, por sua vez, colocam o tema da sustentabilidade como um critério na hora de escolher os produtos. Nesse cenário, a agricultura sustentável rima com sobrevivência e a necessidade de pensar sobre a qualidade do ecossistema que ficará de legado para as futuras gerações traz o assunto para a pauta do dia. Esse tema mobiliza e une produtores rurais e os pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Estudos Inter e Transdisciplinares em Ecologia e Evolução – INCT IN-TREE.

Mas, afinal de contas, o que é agricultura sustentável? Para a professora do Instituto Federal (IF) Baiano e engenheira agrônoma Joice Reis, o conceito é amplo e diz respeito, em linhas gerais, à garantia da produção atual sem comprometer a qualidade de vida no futuro. Ou seja, é “aliar capacidade produtiva com a manutenção dos processos ecobiológicos”, enfatiza o professor de Ecologia de Paisagens da Universidade de São Paulo (USP), Danilo Boscolo. Em outras palavras, praticar agricultura sustentável envolve não usar agrotóxicos para controlar pragas e nem lançar mão dos herbicidas para conter ervas espontâneas ou indesejadas. Segundo a professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Fabiana Silva, esse tipo de atitude é imediatista e destrói processos ecológicos. A constatação dos três professores e  pesquisadores do INCT IN-TREE é compartilhada também pela cafeicultora baiana Tadeane Pires Matos.

Membro da terceira geração de uma família de cafeicultores, Tadeane vem mudando uma tradição que era pautada pela produção com foco no lucro e ações predatórias do meio ambiente. Aliando o que considera o “ouro” do cultivo, o café,  com a preservação das belezas naturais da Chapada Diamantina, ela quebra paradigmas e prova que lucro combina, sim, com sustentabilidade.

Tadeane Matos mudou o foco da produção, e instituiu uma agricultura sustentável (Foto: acervo pessoal)
Tadeane Matos mudou o foco da produção, e instituiu uma agricultura sustentável (Foto: acervo pessoal)

A propriedade de Tadeane é de tirar o fôlego! Situado em frente à belíssima Serra do Sincorá, na região da Chapada, o lugar clama por cuidado e preservação e a agricultora ouviu as súplicas da natureza e inaugurou uma nova relação com a terra, rompendo com as antigas perspectivas familiares. Há uma década, ela não usa nenhum tipo de defensivo agrícola, nem herbicida. Todo o controle fitossanitário da planta é feito com produtos naturais, utilizando aminoácidos. “Economicamente falando, diminuíram os custos com defensivos agrícolas e construímos uma resistência natural da própria planta, do café, para doenças e pragas, que existem mas podem ser controladas”, confirma.

Além disso, Tadeane também construiu um tanque que serve para reservatório de água, no qual são criados peixes que têm como função “nitrogenar” a água por meio dos excrementos. Essa água é usada para irrigar as plantas, levando importantes nutrientes através do nitrogênio.

Entre o conjunto de ações que inauguram um novo tempo nas terras da família, Tadeane destaca o investimento na polinização realizada pelas abelhas para garantir a manutenção da flora local. “Por conta de toda essa valorização dos estudos em torno da polinização realizada pelas abelhas, hoje, temos 20 apiários e 40% de toda a nossa área é reserva natural”, comemora.

Os polinizadores e a equação entre produção em massa de alimentos e preservação do meio ambiente
A produção em massa de alimentos, o chamado agronegócio, é indispensável ao mundo, cuja população em crescimento precisa ser atendida em sua necessidade básica: comida. Entretanto, o problema não é produzir em grande quantidade, mas como isso é realizado. É que o sistema convencional de agricultura tem como principal objetivo o máximo de rentabilidade (lucro) em menor escala de tempo, provocando sérias perdas de recursos naturais. A pesquisadora Joice Reis explica que “as consequências do uso intensivo do solo para agricultura convencional (monoculturas) são a construção de paisagens homogêneas e supressão de áreas naturais, resultando em diminuição da biodiversidade vegetal e animal”.

Esse ambiente altamente modificado torna-se inóspito para os polinizadores, a exemplo de abelhas, insetos como besouros, moscas, vespas e mariposas, morcegos, pássaros, entre outros. Diferente do que ocorre na vegetação nativa, nesse novo ambiente, muitas espécies de animais perdem locais para fazer ninhos (substratos de nidificação), fontes de recursos alimentares (as flores de plantas terrestres produzem pólen e néctar, que são essenciais para abelhas adultas e jovens) e também fontes de água. A professora Fabiana Silva relembra ainda que insumos químicos, como agrotóxicos, impactam a sobrevivência da fauna – a exemplo de insetos e aves –  e remove espécies de plantas espontâneas que poderiam ser utilizadas pelas abelhas como “alimentos” complementares, especialmente quando a cultura não está florescendo.

Neste momento, talvez uma pergunta possa estar inquietando os nossos leitores: entre tantos aspectos, por que pensar na polinização?  “A transferência de grãos de pólen entre as flores realizada por animais polinizadores é um serviço ecossistêmico chave para manutenção da biodiversidade e segurança alimentar. O declínio de polinizadores pode comprometer a manutenção de serviços ecossistêmicos, reduzir a biodiversidade e a produção agrícola”, explica a professora titular do Instituto de Biologia da UFBA, Blandina Viana.

Em outros termos, a polinização é o primeiro passo para a reprodução vegetal e promove a multiplicação e regeneração de espécies de plantas dos ambientes terrestres. As plantas ajudam a reter água no solo, manter o ritmo de chuvas e as cadeias tróficas nos ambientes. Além disso, a pesquisadora Fabiana Silva explica que muitos animais dependem das plantas para a sua alimentação, sejam os herbívoros que consomem as plantas inteiras, sejam os animais que consomem parte delas, a exemplo de abelhas e insetos que se alimentam de seiva e de aves que se alimentam de frutos, de néctar. Em síntese, Fabiana destaca que a polinização mediada por animais é responsável pela manutenção de múltiplas interações entre espécies que geram os processos ecológicos básicos.

Num olhar panorâmico, percebe-se que comprometer a polinização é gerar prejuízos para todos os lados: “Nos cultivos, ocorrem reduções de produtividade. Já nos ambientes naturais, há a interrupção das capacidades reprodutivas de muitas plantas, modificando, a longo prazo, toda a biota de uma região, geralmente com perda acentuada de biodiversidade”, justifica Danilo Boscolo.

Diante desse contexto, o desafio é aliar alta produtividade com preservação do meio ambiente. É nessa direção que seguem as ações da cafeicultora Tadeane Matos. Ao garantir a preservação da flora local e investir na polinização, além de assegurar uma melhor qualidade para o café,  a agricultora  construiu suporte para um novo negócio: o ecoturismo. Sua propriedade é aberta à visitação guiada e oferece também um roteiro para conhecer a Serra do Sicorá. O passeio na fazenda é feito de bike e tem um propósito: “é para as pessoas perceberem o que somos e o que queremos com a natureza, é para despertar um outro tipo de consciência em relação à cultura do café e ao meio ambiente”, informa.

Mudando a tradição para investir em sustentabilidade: “Isso é respeito! É perceber  Deus!”

Investir em agricultura sustentável é mudar uma cultura, lutar contra práticas, hábitos e costumes há muito arraigados e cultivados. Nesse sentido, Tadeane sublinha que se trata de um processo lento e difícil, mas, ainda assim, ela se mostra confiante e, no percurso, vem dialogando com os pesquisadores do INCT IN-TREE. “Não é um processo que acontece do dia pra noite. Mas a gente percebe que as pessoas estão mais sensíveis ao tema, há uma valorização maior de práticas de conservação do solo e da vegetação natural. Isso facilita”, encoraja-se.

Monitoramento de pragas e doenças

E essa valorização é no campo econômico também, Joice Reis sinaliza que,  especialmente no mercado consumidor europeu, existem diversos sistemas de certificação  para assegurar os processos aos quais a matéria prima é submetida desde a sua origem até chegar à mesa do cidadão. “O objetivo da certificação agrícola é manter uma produção ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável, a fim de promover a sustentabilidade na atividade”, explica. “Os cafés certificados podem conseguir valor agregado na comercialização, devido ao mercado consumidor estar cada vez mais atento à qualidade e rastreabilidade dos alimentos. Os padrões adotados pela certificação estão baseados nos conceitos de Boas Práticas Agrícolas (BPA), que visam à condução apropriada da lavoura através de técnicas produtivas e gerenciais”, detalha Joice.

Claro que o lucro e a certificação estão no horizonte de Tadeane, todavia parece haver algo mais sublime que a mobiliza e a anima para enfrentar a dureza de quebrar tradições. “Eu sou apaixonada pelo café. A gente está sempre  aprendendo, a cada colheita é uma bebida diferente, é uma sensação diferente…”, inicia sua declaração. “O café possibilita o sustento de várias famílias, é um período longo de necessidade de mão de obra…”, segue Tadeane a tessitura de sua narrativa para, enfim, chegar ao ponto crucial: “não tenho palavras para decifrar o quanto é importante nós termos um olhar de valorização, de respeito com as pessoas e com o ambiente. É isso!  É respeito que devemos ter com o ser humano ao entregar um produto bom, sem causar danos ao meio ambiente, valorizando a natureza. É perceber Deus! Perceber que tudo é perfeito e que nós precisamos valorizar essa perfeição divina. Simplesmente amar!”

 

Tadeane Matos abre a terceira e última temporada da série de lives “E se os polinizadores entrassem em quarentena”, promovida pelo projeto Guardiões da Chapada, que  acompanha a agricultora nesse lento e árduo processo de transformação de velhas práticas em novos saberes. Veja a matéria sobre a terceira temporada da inciativa e a importância da articulação entre academia e comunidade aqui.

*Pós-doutoranda do INCT IN-TREE nos estudos sobre mediatização e circulação da comunicação científica.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *