Perfil: conheça Candace, rapper e estudante de Letras da UFBA

Racismo e autoestima da população negra são tema de seu trabalho

Laisa Gama*

Candace significa rainha. No antigo Império de Meroé, ao sul do Egito, existia uma dinastia de rainhas negras. Elas eram as governantes sábias, e guerreiras. Ali, mulheres ascenderam com toda a força que tinham. Uma sociedade em que a linha materna era a qual era levada em conta. E nada melhor que esse nome para definir Deise Costa, 27 anos, a qual está dando seus primeiros passos na carreira solo como rapper soteropolitana. Mas antes de se definir como Candace, era Maria. Buscava usar o nome como uma referência a todas as mulheres. Porém, depois de um tempo não se identificou mais com isso. “Sabemos que toda luta tem o recorte racial e nesse contexto o ‘Maria’ não faz mais sentido pra mim, sacou?”, explica.

Estudante, mãe, rapper e ainda com uma marca de roupa, Candace nasceu na comunidade da Nova Divineia, no IAPI, e, desde a adolescência já se interessava pela leitura e pela escrita. Aos 16 anos, ela resolveu começar a investir em realmente escrever poesias e poemas, que, na sua percepção, eram só relatos e desabafos sobre a vida. Foi a partir disso que Candace começou a participar de saraus e coletivos em 2017, quando se juntou ao grupo Militância Poética. Mas só agora, em 2020 que a estudante de Letras na UFBA veio de fato musicalizar as poesias dela mesma,  dessa vez, solo.  “Quando nos propomos a ler ou escrever, podemos fazer isso sobre qualquer assunto. As letras e palavras estão presentes em todo o universo”, diz.

Candace conta que depois que teve a sua filha, que hoje tem pouco mais de um ano, conciliar sua rotina foi um grande desafio, mas ela conta com o apoio de seu companheiro, sua família e de seus  amigos. “Tem essa questão da rotina de sempre estar com a criança, mas isso vai mudando com o tempo. Tenho muitos desafios em relação à maternidade, pois a pandemia não me permitiu sair de casa com minha filha e poder deixar ela numa creche”, desabafa. 

Inspiração no rap

Antes de se juntar ao grupo Militância Poética, ela já havia participado atividades relacionadas ao rap, mas nunca tinha cantado. Ver outras mulheres fazendo isso que lhe deu coragem para participar. “Tem gente fazendo e ta dando certo, então vai e faz que também vai rolar”, é o que dizia para si mesma quando começou a investir na sua carreira. Candace diz que uma de suas inspirações no meio é Sheryline. Quando conheceu a história dela, descobriu todas as dificuldades que ela teve, e mesmo assim ela continuou persistindo, se sentiu inspirada. 

O seu trabalho no rap está ligado intimamente ao racismo presente no cotidiano. “Tentei escrever maravilhas, mas não é sobre isso. Tentei escrever vitórias e auto estima, mas não é o que sinto”, relata em seu clipe “Maior onda”. Os casos de racismo que tiveram grande destaque na imprensa neste ano também aparecem em seu trabalho. “Senti a necessidade de falar sobre essa estrutura montada para manter o racismo ao mesmo tempo em que faço uma homenagem a profissionais que não se calam diante tais injustiças.”

E são temas relacionados a população preta que vão estar presentes no seu EP Rainha, ainda sem uma data prevista de lançamento. Mesmo com as questão da pandemia, o projeto continua em andamento, tendo que gravar as faixas em sua própria casa. Candace conta que a vontade de falar sobre a riqueza, o reinado, amor e tradição vão ser mesclados com as condições atuais dos pretos e pretas na sociedade, partindo do ponto de vista impositivo da história com o racismo e com a ausência de dignidade. “Que todo preto ou preta se sinta capaz de reescrever sua história, recuperar a sua humanidade e se sentir rainha e rei em diáspora”, diz sobre um dos objetivos do seu trabalho.

*voluntária da Agenda Arte e Cultura