‘Vai pa onde?’: Como o meme incorporou novas funções com a pandemia

A Agenda conversou com a pesquisadora Helen Fernandes de Souza para entender como o meme tem funcionado nos últimos meses 

 Luana Lisboa*

Na biologia, os vírus são seres acelulares e simples, cuja característica mais importante é a incrível capacidade de multiplicação. Foi graças a essa capacidade que o termo “vírus” e suas variações foram emprestados a outras áreas do conhecimento, como a de tecnologia, comunicação. Na internet, por exemplo, o termo foi abraçado pelos usuários e “viralizar” significa “se espalhar rapidamente” nos canais de comunicação. Serviu também como base para a criação de outros conceitos, como o do “meme”, que como conta a pesquisadora Helen Fernandes de Souza, significa “informação que chega nas pessoas e se multiplica”.

(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Durante a pandemia, o conteúdo que viraliza mudou e, por isso, os memes também mudaram. Percebendo isso, conversamos com Helen, pesquisadora do uso das redes sociais, com foco no Instagram, e mestranda no grupo da UFBA, Lab404, além de criadora de conteúdo para as redes e tatuadora. Apesar de ser formada e ter atuado na área de Engenharia Mecânica durante anos, percebeu que tinha mais afinidade com a área da comunicação quando passou a gerir uma conta profissional no Instagram, onde postava seus trabalhos como tatuadora (@malfeitona, que hoje tem mais de 100 mil seguidores) e resolveu se aprofundar no assunto como pesquisadora. Hoje, ela explica para a Agenda o que mudou na produção e veiculação dos memes e conta sobre suas novas funções, de alívio emocional até seu papel conscientizador durante os últimos quatro meses.

Qual é a melhor forma de definir o que são os memes?
O termo “meme” foi criado pelo biólogo e escritor Richard Dwakins, na década de 70, para falar de uma informação ou ideia que chega nas pessoas e se multiplica. Após criado, o termo foi então utilizado por diversas áreas antes da digitalização do mundo, como pela área de marketing e propaganda nos anos 90, estudos de funcionamento da memória e afeto, estudos de linguística e comportamento. Mas os memes ganharam uma nova dimensão ao chegar na internet, e houve a popularização da consciência de que aquilo que está sendo visto, compartilhado ou produzido é um meme. Hoje, eu diria que o meme é um tipo de informação que se espalha rapidamente pela internet e que, geralmente, é associado ao humor.

Então podemos dizer que a internet só mudou o formato do “meme” e, de certa forma, popularizou ele?
Vou usar aquela analogia batida do vírus agora. Para que o vírus consiga se espalhar, ele precisa de condições ideais. Precisa encontrar hospedeiros que são compatíveis com ele, estar em determinadas temperaturas. Da mesma maneira que existem esses fatores materiais que permitem que esse vírus biológico se espalhe ou seja erradicado, temos que pensar na materialidade tanto dos memes quanto da internet.

Diferente da televisão, por exemplo, que não permite resposta do telespectador, a internet é um meio de comunicação que permite o contato, interação e troca entre as pessoas. É uma troca rápida que fica ainda mais rápida se esse conteúdo é leve. Se a gente pensar em dados, um arquivo grande demora mais para enviar, leva tempo. A internet brasileira é reconhecidamente lenta e, não coincidentemente, o Brasil é um dos maiores produtores de memes do mundo. Esses são fatores da materialidade da internet e a do meme, que fez com que a cultura do meme se espalhasse.

(reprodução)
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A internet passou a produzir esse tipo de conteúdo, que “viralizou” e a isso foi atribuído o nome de “meme”. É um produto da união da internet com seus usuários. Então a interação entre a internet e os seus usuários foi o que permitiu o surgimento dos memes, como se fosse uma condição ideal para o vírus se desenvolver e se espalhar. 

De que forma os memes podem funcionar como alívio cômico em meio a situações estressantes?
Vamos pensar em quem está de quarentena, por exemplo. Entre uma notícia e outra, no twitter, a pessoa, de repente, encontra um meme escrito em poucos caracteres, ou em formato de imagem, ou um vídeo curto. Isso permite à pessoa ter acesso a uma pequena dose de humor que quebra o padrão mental que ela tinha, seja de tédio, seja de cansaço mental por estar trabalhando, de ansiedade por estar lendo notícias ruins, de depressão. Então, o meme traz essa dose de humor no dia das pessoas, de fácil consumo. 

Pode-se dizer que o humor puramente não é a razão pelos quais eles viralizam, mas uma identificação social?
Eu acho que a identificação social com o meme permite que a pessoa encontre o humor naquilo, assim como ocorre com outros formatos de informação. Acho que os memes viralizam por serem um tipo de informação leve, majoritariamente humorística, mas, principalmente por serem situações com as quais as pessoas se identificam, por estarem socialmente inseridas naquele contexto.

Isso não é um exclusividade do meme, se aplica a outras formas de comunicação. Mas é uma característica marcante dele envolver uma situação bastante específica que é comum a muitas pessoas. Por exemplo, o pisar numa peça de Lego e sentir dor aconteceu com muitas pessoas. Elas sabem que isso dói. E isso virou meme, porque é fácil para toda uma geração se identificar.

(reprodução)
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O meme gera sentimento de identificação e pertencimento. As pessoas gostam de se identificar com algo específico e saber que nem todo mundo pode. É ela e um determinado nicho que ela faz parte ou quer fazer parte. Isso gera uma interação que dá uma sensação de pertencimento às pessoas. 

Mas a identificação social das pessoas com o conteúdo daquele meme (seja pensando em recortes etários, de gênero, sexualidade, regionalismos ou mesmo gosto musical) quanto mais gerais (como “medo” de contrair coronavírus) gera nela um sentimento de identificação, e toda interação gerada pelo meme um sentimento de pertencimento.

Você acha que houve mudança no teor dos memes que têm viralizado na pandemia?
Sim, como memes retratam de contexto social em que estamos vivendo, muitos memes surgiram desse contexto de pandemia, alguns até com teor informativo, sobre uso da máscara e álcool em gel. Memes sobre saúde mental, sobre terapia, sobre idosos quererem ir pra rua. Inclusive memes com teor político, a favor da cloroquina. Então a geração de memes acompanhou sim o momento em que estamos vivendo, uma vez que, como foi dito, memes se popularizam graças à identificação social.

Então nesses tempos, os memes também podem ter um papel pedagógico?
Sim. Um exemplo disso é a página Melted vídeos. Vejo muito eles trabalhando nos memes com a necessidade de terapia. Os stickers no WhatsApp também podem ser considerados. Recebo até no grupo da família um “álcool em gel entrou no grupo” ou “bote a máscara antes de me mandar áudio”, que pode ter uma função educativa sim. Também sobre fiscalização de pessoas em isolamento, como aquele meme do “vai pra onde?” que viralizou com o personagem de desenho. Tem o do “parece que o jogo virou, não é mesmo?”, quando são os jovens que impedem os pais de saírem de casa e não mais o contrário. 

(reprodução)
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Acho que o papel educativo vem justamente pelo sentimento de pertencimento, de querer estar incluído nessa piada. Vira um “constrangimento” não estar incluído nisso, então isso pode fazer com que as pessoas repensem suas atitudes.

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