Crescimento que não para mais: o que há por trás do sucesso das plataformas de streaming?

Agenda conversa com especialista a respeito de como essa tecnologia recente influência nos hábitos de consumo do público

Por Laisa Gama*

Era inimaginável, algumas décadas atrás, que o ser humano iria  conseguir assistir histórias e ficções em uma tela pequena dentro de sua própria casa. Na década de 1920 quando a televisão surgiu houve diversos questionamentos a respeito de: “O que vai acontecer com o cinema?”. E, ainda bem, esses meios coexistem até hoje. Como o mundo do entretenimento não pode ficar parado, nos últimos anos surgiu uma nova forma de consumo: plataformas de streaming, que, aparentemente vieram para ficar, pois até mesmo canais de televisão a cabo estão buscando nessa área um público. Um exemplo disso é a recente Disney + que chegou no Brasil meses atrás. 

(Foto: acervo pessoal)
(Foto: acervo pessoal)

Para entender um pouco desse sucesso das plataformas de streaming, a Agenda conversou com Rodrigo Lessa, professor no Estação do Drama (UFBA) e no Narrativas (Programa de Formação Audiovisual da Bahia). Rodrigo é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, pesquisador no Laboratório de Análise de Teleficção (A-tevê/UFBA) e autor do livro “Seriados de TV e narrativa transmídia” (Edufba, 2020).

Sabemos que com os diversos avanços e influências que recebemos, as formas com que consumimos produtos audiovisuais, sejam eles filmes ou músicas, mudaram. Se pegarmos pesquisas a respeito, podemos ver que a porcentagem de pessoas que têm acesso a alguma plataforma de streaming, sob demanda, vem aumentando. A que podemos atribuir esse fator?

Os modos de consumo de mídia mudam, conforme novos hábitos emergem e novas tecnologias surgem. É enorme a praticidade de poder assistir a uma série ou ouvir um álbum de música em qualquer local, com o smartphone, por exemplo. Ou ligar a TV e escolher o que assistir com apenas alguns cliques em um aplicativo cujo serviço assinamos. Esta se torna uma opção de consumo de mídia, que coexiste com os modos mais tradicionais.

Como podemos explicar a influência que a Netflix, uma plataforma pioneira de vídeo sob demanda, tem no comportamento de busca de produtos do gênero?

Por ser pioneira e por realizar investimentos massivos em aquisição e produção de obras audiovisuais, a Netflix se destaca frente à concorrência. O design de interface das aplicações e o algoritmo que conhece o usuário fazem com que a experiência de assistir algo na Netflix seja simples, descomplicada. Pessoas com diferentes níveis de habilidades tecnológicas podem igualmente encontrar filmes e séries do seu agrado. A facilidade de poder assistir quando e onde quiser, com apenas alguns cliques, faz com que a Netflix seja a primeira opção de entretenimento audiovisual para muitos.

Em 2012, cerca de 81% dos brasileiros fizeram  algum tipo de download ilegal de produtos com direitos autorais, de acordo com o IPEA. Porém, essa porcentagem vem diminuindo. Podemos atribuir isso ao crescimento dessa forma de consumo?

Acredito que a tendência nos próximos anos é o consumidor optar cada vez mais por downloads piratas apenas quando não tem acesso ao conteúdo desejado, por ele não estar disponível legalmente em território nacional, por exemplo. Quem assina serviços de streaming e ainda assim faz downloads ilegais, provavelmente antes de buscar nos sites piratas faz uma busca nos aplicativos que assina. O fator econômico também é importante de se considerar, pois com o excesso de serviços de streaming, além das convencionais TVs por assinatura, não é barato ter acesso a todos os conteúdos que se deseja, o que leva muitos a baixar online para economizar. Acredito também que uma parcela significativa opte por realizar downloads piratas mesmo podendo pagar pelo conteúdo, sobretudo aqueles que nas décadas de 1990 e 2000 se acostumaram a baixar na internet o que queriam ler, assistir e ouvir. Mais do que uma questão financeira, para estes consumidores, o download pirata é uma questão cultural. A indústria do entretenimento nas últimas décadas tem encontrado maneiras de minimizar os impactos econômicos causados pelos downloads piratas – a disponibilização em mídia digital por streaming, por exemplo, é uma destas tentativas. Ao facilitar o acesso ao conteúdo, a indústria faz com que muitos não sintam necessidade de piratear.

É possível que a oferta cada vez maior de produtos específicos para tais plataformas venha a afetar de maneira agressiva formas mais “clássicas” de distribuição?

A quantidade de obras audiovisuais produzidas especificamente para distribuição digital em plataformas de streaming ainda é muito baixa na comparação com as formas mais tradicionais de distribuição, como o cinema e as TVs aberta e fechada. A mudança mais significativa, na minha opinião, é que os meios tradicionais passaram a se utilizar do meio digital como uma nova janela de distribuição, ou seja, após a exibição original na TV ou cinema, o conteúdo passa a estar disponível também em plataformas e serviços de streaming. Isso amplia o alcance do conteúdo e, por conseguinte, o lucro das empresas envolvidas. Já no ramo da música, embora os álbuns físicos ainda existam, a distribuição digital, me parece ser a janela prioritária para distribuição.

Uma questão também importante de ser pautada é a respeito dos canais de televisão a cabo. Há cada vez mais uma busca de público dos streamings, como por exemplo a HBO GO e a Disney +, criando suas próprias plataformas. Quais as diferenças mais significativas nos públicos e na forma de “vida” desses meios?

Os serviços de streaming e distribuição digital de conteúdo de entretenimento são uma realidade para o público consumidor. As empresas precisam se movimentar e levar o conteúdo ao público onde quer que ele esteja. Hoje, o público também está na internet. Há ainda muitas possibilidades de crescimento no consumo de conteúdo digital, e é por isso que as empresas antes “tradicionais” estão indo para a internet. Canais como o HBO e a Globo, e grandes conglomerados de mídia como a Disney, possuem acervos gigantescos de audiovisual e passam a ofertá-los ao público através dos seus serviços próprios de streaming. É mais rentável para as empresas atrair e fidelizar o público dentro de seus próprios serviços do que apenas licenciar conteúdo para distribuição em outros meios, embora essa estratégia ainda seja uma realidade no mercado, sobretudo para a Disney. É por isso que encontramos filmes e séries da Disney em outros serviços, além do Disney +. Já o HBO e a Rede Globo optam por tornar seus conteúdos exclusivos para seus assinantes; ou seja, suas obras só podem ser vistas, digital e legalmente, em seus próprios serviços pagos.

Vivemos numa realidade pandêmica em que fomos privados de muitas formas de lazer, entre elas o cinema. Por conta disso, nossa forma de buscar assistir filmes foi direcionada à internet. Qual futuro podemos esperar para esse meio de difusão?

A necessidade do isolamento por conta da pandemia do Covid deixou as pessoas mais tempo em casa e com menos opções de entretenimento e lazer. O conteúdo distribuído digitalmente pela internet tem sido para muitos a única fonte de diversão. Acredito que a grande virada para a indústria do entretenimento, apesar de todos os prejuízos causados pela pandemia, foi no aumento da adesão de novos consumidores nos serviços digitais. Pessoas que antes não assinavam serviços, passaram a assinar. O cinema em específico tem experimentado distribuição simultânea em salas de cinema e serviços de streaming por assinatura ou de aluguel digital, em uma tentativa de manter o lucro elevado mesmo com menos pessoas indo ao cinema. É uma nova modalidade de janela de distribuição, o que antes da pandemia seria impensável para grandes blockbusters, por exemplo. Mas ainda é cedo para dizer como isso afetará a longo prazo o mercado; talvez tudo volte a ser como era antes, talvez a distribuição simultânea se consolide como uma opção rentável para as empresas. Do ponto de vista do público, das pessoas que têm prazer em ir ao cinema, acredito que voltarão a ir com a mesma frequência de antes quando a pandemia deixar de ser uma realidade.

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