‘O Estado não se movimenta sem a sociedade’, diz coordenador de inclusão da Setre

Evento, realizado pela PROAE, aconteceu no auditório da Facom, em Ondina

Por Ícaro Lima

Como promover boas oportunidades de emprego para a  juventude negra do Brasil? Para Natália Gonçalves, num país em que casos de racismo ainda são frequentes, é preciso achar mecanismos para enfrentar as opressões no âmbito institucional e que deem a essa parcela da população mais chances de estabilidade financeira no futuro. 

Natália é representante do Conselho Estadual de Juventude da Bahia (Cejuve) e foi quem abriu a mesa “Juventude Negra e Mercado de Trabalho”, ocorrida ontem (22), no auditório da Faculdade de Comunicação da UFBA (Facom/UFBA), promovida pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (Proae).

“Para os jovens negros, permanecer na escola tem sido uma dificuldade”, salientou.

A proposta da instituição da qual faz parte é inserir nas dinâmicas públicas diversas iniciativas ligadas à saúde, educação, cultura, trabalho e segurança. Ela destaca que um dos principais fatores que impossibilitam o acesso da juventude negra ao mercado de trabalho é o alto número de evasão escolar, geralmente por opção própria dos alunos que necessitam trabalhar informalmente para ajudar na renda familiar.

Natália relatou as dificuldades do jovem negro se manter estudando (Foto: Gabriel Oliveira)
Natália relatou as dificuldades do jovem negro se manter estudando (Foto: Gabriel Oliveira)

Ela vê também que é preciso encarar essa situação fazendo conexões com outros exemplos de preconceito que atravessam vários casos, como o machismo e seximo. Além disso, ressaltou que as universidades devem ser um instrumento de apoio nesse cenário. “Deve ser uma missão institucional da UFBA fazer com que as pessoas entrem aqui, permanecem e se conectem às questões discutidas pelos movimentos sociais”, disse. 

Organização e união
Um outro aspecto considerado importante no debate foi a qual “juventude” se refere quando se discute temáticas como essas. Para a presidente nacional da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) Ângela Guimarães “é importante termos uma ideia bem constituída sobre isso, que vai muito além da faixa etária”.

Ângela Guimarães (Foto: Gabriel Oliveira)
Ângela Guimarães (Foto: Gabriel Oliveira)

Formada em Ciências Sociais pela UFBA, ela conta que desde sempre foi ativa nas discussões políticas em seus tempos de universitária, participando do DCE. Ela considera que também é necessário existir uma consciência sobre as situações de vida de cada um. “A juventude é múltipla e diversificada”, destacou. 

“Se a gente vive numa sociedade racista, ser jovem negro é diferente de ser jovem branco”, completou. 

Ângela fez questão de levar para a mesa dois pequenos livros como exemplos de políticas públicas necessárias: O Estatuto da Juventude (2013), e relembrou sua importância ao garantir meia-entrada e descontos e gratuidades em ônibus nas viagens interestaduais para jovens de baixa renda, e o Estatuto da Igualdade Racial (2010), que busca combater os casos de discriminação por raça no país.

Segundo ela, esses marcos são importantíssimos para o Brasil pois são desejos da sociedade traduzidos em ações do governo: “Sem a existência legal, você tem poucos mecanismos para cobrar do Estado”, contou. 

Além disso, ressaltou que a mobilização social é o fator determinante para as conquistas de direitos: “Nós precisamos nos agrupar. A universidade não tem como ficar de pé se a gente não se organizar”, disse.

As vivências de cada um
“Nós temos ‘Brasis’ e ‘Brasis’ e de onde você vem é significativo”. Foi com essa afirmação que o Coordenador de Assistência Técnica e Inclusão Socioprodutiva (Setre-BA), Efson Lima, começou a falar da sua trajetória profissional e de vida, pois, para ele, é sempre preciso “demarcar nosso lugar de fala”. E é nesse sentido que ele defende que as vivências de cada ser humano precisam ser analisadas com cuidado e respeito. 

Vindo de Ilhéus, aprendeu a ler somente aos 10 anos de idade e “descobriu o mundo”. Hoje, doutor em Direito pela UFBA, fez questão de destacar o apoio que recebeu da PROAE quando chegou à universidade. Para ele, a busca por uma melhor instrução educacional pela juventude negra tem que ser um conjunto de mobilização desses atores em conjunto com políticas públicas que atendam esses desejos. 

Efson considera que ainda há muito a ser feito para garantir o acesso e a permanência de jovens negros na universidade, o que acaba refletindo na capacitação para o mercado de trabalho. “Precisamos pensar numa permanência efetiva, ocupar lugares estratégicos”, disse. 

É nesse sentido que também falou sobre como as políticas públicas devem ser pautadas por pressões e organizações populares: “O estado não se movimenta sem a sociedade”, salientou. 

Efson afirmou que a luta para melhorar os cenários negativos do país não é fácil, mas que é possível, e mesmo pequenos avanços já são importantes: “Talvez eu não possa alterar o enredo, mas posso criar uma outra cena”, finalizou.

Mobilização social
Quem também esteve presente na mesa foi a coordenadora da Assufba, Lucimara da Cruz, que destacou que é preciso existir movimentações coletivas para haver mudanças em diversos aspectos: “Eu acredito na militância política de diversas matizes”, disse.

Ela falou sobre como esse dever está nas mãos das pessoas. “A responsabilidade da construção da universidade que a gente acredita, do mercado de trabalho, está na mão de todos aqui”, defendeu.

Negra, Lucimara citou o preconceito racial como um forte fator de exclusão de pessoas como ela do mercado de trabalho. “Nós sofremos discriminação por uma construção social”, destacou.

Lucimara apresentou alguns dados sobre a frequência escolar de jovens negros em relação aos brancos. Ela comparou informações sobre escolaridade, rendimento e diferença de salário divididos por gênero e raça. 

Para ela, o esforço em garantir os desejos da juventude negra passa por diversas ações, como corrigir os casos de evasão escolar, criar opções de cursos universitários à noite e expandir as instituições de ensino pelo interior da Bahia: “Nós queremos reconhecimento da nossa construção histórica”, defendeu.

Reações
Ao final do encontro, abriu-se um momento para o público poder fazer pergunta aos expositores. Estiveram presentes diversos jovens integrantes do Coletivo Cipó – Comunicação Interativa que conheceram os campi da UFBA pela primeira vez e ainda discutiram sobre algumas questões com os integrantes da mesa. 

Álvaro Santana Oliveira, 22, integrante do coletivo, conversou com a Agenda a respeito do encontro e ressaltou sua importância. “O evento hoje foi importante para a gente discutir políticas públicas para a juventude negra periférica, o que vale para essa aproximação acontecer, para essa juventude ter oportunidades no mercado de trabalho, e de como a gente viabiliza essas políticas públicas para eles”, pontuou.

Ele também ressaltou a necessidade de se organizar enquanto movimento de luta. “Eu acho que foi muito proveitoso e de muita sabedoria todo esse evento, porque a gente precisa se aquilombar e se organizar enquanto jovem, negro e enquanto comunidades, para que a gente faça a viabilização pra todos esses jovens que estão precisando dessa oportunidade e que saiam dessa zona de vulnerabilidade, de falta de emprego, e de todo esse processo que o Estado nos faz passar. Eu acho que é de mais espaços como esse que a gente precisa e de lugares de fala como esses que a gente precisa”, relatou.

Já Ângela Guimarães, que compôs a mesa de discussão, parabenizou a Proae pela realização do evento. “Pelo rebuliço que foi promovido aí dentro [do auditório], a gente viu a carência dessa discussão. A gente viu que a persistência do racismo aliada à persistência do sexismo impõem barreiras que impedem até mesmo um jovem que avança ao máximo, que consegue chegar à universidade como um cotista, tem dificuldade na saída da universidade, da sua inclusão no mundo do trabalho”, disse.

Ela considera que ainda o tema discutido ainda precisa ser mais difundido em certos lugares. “Creio que foi uma oportunidade para, além de reflexões, a gente elaborar estratégias. A gente viu a fala de jovens que são de uma comunidade da periferia de Salvador, do Subúrbio Ferroviário. O distanciamento que a universidade ainda guarda, embora estejamos aqui na UFBA, por exemplo, com 15 anos da política de cotas. Mas essa política de cotas ainda não ressoa nos rincões mais distantes das periferias de Salvador, que é a capital, imagine no interior”, completou

Outras edições
A Proae planeja realizar mais dois eventos como esse para manter um ciclo de encontros que abordem a questão da situação atual do mercado de trabalho em outros aspectos: “Pessoas com necessidades especiais e mercado de trabalho” e “Juventude trans e mercado de trabalho”. As datas ainda não foram definidas. 

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