Compreender a cultura iorubá pode ajudar a minimizar a intolerância religiosa, afirma autor de livro lançado no MAFRO

Márcio D’Jagun afirma que conhecer a cultura africana é um dos métodos mais eficazes para combater o preconceito

Por Kelven Figueiredo

Márcio de Jagun é Bàbálórìṣà do Ilé Àṣẹ Àiyé Ọbalúwáiyé (descendente da Casa de Oxumarê-BA), advogado, professor, escritor, consultor do Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões (PROEPER/UERJ). Ministrou diversos cursos sobre cultura, religiosidade e idioma yorubá no Centro de Produções da UERJ (CEPUERJ), também é conferencista, articulista e autor dos seguintes livros: Orí – a Cabeça como Divindade; Ewé – a Chave do Portal; e Candomblé: Casa de Santo, Casa da Gente. No ano de 2000, iniciou na militância contra a intolerância religiosa e contra o clientelismo religioso. Em 2013 foi um dos fundadores da Associação Nacional da Mídia Afro – ANMA, ano que também  foi convidado para participar das discussões de elaboração do Plano Curricular de Ensino Afro-Religioso da Rede Municipal do Rio de Janeiro. Em entrevista por e-mail à Agenda, o  escritor  ressalta a importância de sua mais recente obra “Yorùbà -Vocabulário temático do Candomblé” recentemente lançada no MAFRO/UFBA integrando a programação que celebra os 35 anos do museu. Ele também fala da proposta de criação da graduação em Licenciatura Português-Iorubá na UERJ e sobre  o requerimento feito junto ao IPHAN para inclusão do idioma ioruba no INDL (Inventário Nacional de Diversidade Linguística).

Agenda Arte e Cultura – Como surgiu a ideia para o livro Yorùbá – Vocabulário Temático do Candomblé?

Marcio de Jagun – O livro foi preparado do português para o iorubá e vice-versa e organizado por assuntos específicos, no intuito de facilitar a pesquisa e o manuseio dos interessados. Já existem excelentes obras acerca da gramática iorubá, como as publicadas por Mestre Didi, Eduardo Fonseca e Beniste, por exemplo. Mas nesta obra, nossa pretensão foi trabalhar a filosofia e a teologia contidas no vocabulário do Candomblé nagô e não na semântica do idioma. Entendi ser necessário contextualizar símbolos, conceitos e princípios com o intuito de ampliar nosso mergulho no universo religioso daquele povo. Vale citar como exemplo o fato do Dicionário Abraham traduzir “ẹ̀là” como o “Espírito Santo”. No entanto, na cultura iorubá não existe a Santíssima Trindade e muito menos a figura do “Espírito Santo”. Filosófica e teologicamente, ẹ̀là deve ser compreendido como um dos títulos de Ọ̀rúnmílà: O Espírito da Sabedoria Divina.

AAC – Como você acha que sua obra ajuda na compreensão da formação cultural brasileira e no combate à intolerância religiosa?

MJ – A cultura brasileira é plural, diversa. Compreender a cultura iorubá, descortinando seu perfil poético, metafórico, altamente espiritualizado e filosófico, pode ajudar a valorizar esta riqueza e a quebrar preconceitos, deturpações e, assim, minimizar a intolerância religiosa.

AAC – Qual a importância dessa obra para as pessoas que não conhecem a religião do Candomblé?

MJ – Poderem acessar e compreender esta vertente da cultura brasileira, construída a partir do idioma, costumes, valores, ritos e de uma visão de mundo iorubá.

AAC – De que forma o fato de você ser candomblecista influenciou no processo de produção da obra?

MJ – Justamente por ser candomblecista e sentir a necessidade de mergulhar nesta cultura, entendi a necessidade de fazer as pesquisas que balizaram o livro.

AAC – Como surgiu a proposta de fazer o lançamento do livro aqui no MAFRO?

MJ – Fomos convidados para fazer o lançamento, como parte da comemoração dos 35 anos de fundação do museu. Foi uma honra poder participar.

AAC – Você tem planos de fazer o lançamento da obra em outras cidades do Brasil?

MJ – Já fizemos alguns no Rio de Janeiro e agora em Salvador. No dia 05 de agosto, faremos o lançamento na Casa Tombada, em São Paulo. E recebemos convite para fazer também em Belo Horizonte.

AAC – Foi difícil para você encontrar uma editora que tivesse interesse em publicar o material?

MJ – Felizmente não encontramos esta dificuldade. A obra foi publicada por uma parceria entre a UERJ e a Editora Litteris, como aliás, tem sido a prática das universidades (quando se trata de uma obra complexa como esta, com cerca de 1400 páginas, 50 capítulos e pesquisa acadêmica). Sobretudo, considerando a crise enfrentada no momento pela UERJ.

AAC – O livro pretende fundamentar o requerimento feito junto ao IPHAN para inclusão do idioma ioruba no INDL (Inventário Nacional de Diversidade Linguística), em que fase esse processo de inclusão?

MJ – Já foram cumpridas duas etapas deste processo: a pesquisa/fundamentação e o seminário público. Agora, o processo deve ser analisado pelo Conselho Nacional do IPHAN.

AAC – Você poderia explicar a proposta de criação na UERJ da primeira faculdade brasileira de licenciatura em Português-Iorubá? A proposta já foi feita à universidade?

MJ – A proposta já foi apresentada à universidade e está em análise. Seria uma graduação em Licenciatura Português-Iorubá. Entendemos que compete à universalidade acadêmica abrir espaço para um idioma africano em seu leque de formação. É uma maneira de valorizar, difundir e respeitar a diversidade cultural brasileira.

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