“É um projeto inexequível do jeito que está”: especialista em Fake News comenta PL 2630

Frederico Oliveira passou anos em grupos de mensagens bolsonaristas para fazer a sua tese

Por: Maria de Moura

O Projeto de Lei 2630/2020, proposto pelo Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA), deu o que falar no último mês, principalmente após Google e Telegram divulgarem propagandas contra o projeto em suas plataformas.

Apresentado em 2020, a ideia inicial do projeto era implementar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, criando normas de transparência para as plataformas digitais.

Após intensas discussões e alterações no texto, o projeto recebeu aprovação no Senado, em junho de 2020, com 44 votos a favor e 32 contrários. De lá para cá, a proposta está em debate na Câmara dos Deputados, até que, em abril, entrou em regime de urgência na Casa. Atualmente, a Câmara discute pontos do projeto de maneira separada. Caso seja aprovado, o projeto volta ao Senado, em votação final.

Conhecido popularmente como PL das Fake News, a proposta, que visa regulamentar o conteúdo que circula no ambiente digital, divide opiniões dentro do jogo político e na sociedade brasileira, de maneira geral.

Ao mesmo tempo, em Salvador, o doutor em Comunicação pela UFBA, Frederico Oliveira*, defendia a sua tese de que plataformas co-produzem conteúdos falsos, criando estratégias para ampliar a circulação desse conteúdo.

A Agenda conversou com Frederico sobre as contribuições da sua pesquisa para a discussão sobre regulação das plataformas e o PL em discussão. Veja a seguir:

Agenda, Arte e Cultura: Como você explicaria a tese para alguém que não estuda comunicação?

Frederico Oliveira: A tese tem por objetivo entender o que são as fake news. As fake news são um tipo de conteúdo que a gente se acostumou a falar no dia a dia, mas que existe pouca compreensão do que as produz de fato, como são fundamentadas e principalmente qual é o contexto em que surgem.

Daí, a proposta da tese é: 1) Em primeiro lugar, entender as características desses conteúdos falsos e como eles se sustentam. O que faz as pessoas acreditarem? As pessoas acreditam em fake news porque são fundamentadas, porque elas apresentam fontes? Ou acreditam simplesmente por uma afiliação religiosa, por um desejo de acreditar?; 2) Em uma outra dimensão, também busca demonstrar como as plataformas de redes sociais estão relacionadas à própria ideia de desinformação, especificamente à fake news. Eu argumento que outras formas de desinformação sempre existiram. Sempre existiu boato, mentira, rumor, mas talvez não dê para chamar essas mentiras de fake news. As fake news são muito mais pervasivas, estão presentes no dia a dia com um potencial muito maior, principalmente pelo potencial de distribuição que as plataformas lhes permitem. Então, nesse sentido, são um tipo de problema que a gente não enfrentava antes.

Sempre existiu boato, mentira, rumor, mas talvez não dê para chamar essas mentiras de fake news. As fake news são muito mais pervasivas, estão presentes no dia a dia com um potencial muito maior, principalmente pelo potencial de distribuição que as plataformas lhes permitem.

AAC: Como você analisa o PL das Fake News e as disputas em torno dela?

F.O.: É muito engraçado falar sobre o PL, porque é um projeto sobre fake news, mas que não fala de fake news. No ponto de vista judicial, o inquérito dos atos antidemocráticos, movido pelo STF, já demonstrava o financiamento à desinformação. A desinformação é o que dá dinheiro. Por exemplo, Bolsonaro deu uma entrevista na primeira manifestação após o lockdown em março de 2020 para o canal Folha Política. Essa entrevista deu mais ou menos U$ 11 mil para quem administra o canal.

Por que eu comecei falando sobre isso? Porque o contexto da pandemia é um dos principais catalisadores de projetos relacionados a fake news no Brasil. A gente tinha alguns projetos antes, que não eram necessariamente sobre fake news, mas que estabeleciam alguns parâmetros. Já em março de 2020, um grupo de deputados do Cidadania propôs um projeto que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Esse projeto levou cunho PL da Fake News, mas tratava de um monte de outras coisas além disso. Inclusive tinha uma redação muito complexa que reunia outros projetos anteriores. A gente tem uma série de projetos que existiam anteriormente, inclusive projetos que tentavam tipificar criminalmente a disseminação de conteúdos falsos.

Por que eu fiz esse retrospecto? Porque esse projeto fica dois, três anos quase parado. É um projeto que reúne praticamente todos os PLs anteriores sobre fake news. Só que ele perde muita coisa nesse período. Hoje é um projeto que não diz o que é desinformação. Por isso, é importante desmistificar que ele é um projeto sobre desinformação porque ele fala muito pouco de desinformação. Na verdade, é um PL muito amplo que busca responsabilizar plataformas por uma série de coisas.

AAC: Qual a sua análise do PL 2630?

F. O.: É lamentável, inclusive, que a alcunha de PL das fake news fique, porque o que se discute no PL sobre Fake News é muito pouco. Se discute, na verdade, uma ideia de regulamentação das plataformas e do conteúdo. Nesse sentido, é uma atitude louvável, mas é um projeto inexequível do jeito que está.

Nisso, eu não estou dizendo que não se deve regular. Meu ponto é: é necessário regulação, não tem para onde fugir. Regulamentar as redes sociais é urgente, mas do jeito que está hoje o projeto, tem muitas dificuldades técnicas.

é necessário regulação, não tem para onde fugir. Regulamentar as redes sociais é urgente, mas do jeito que está hoje o projeto, tem muitas dificuldades técnicas.

O PL tem, por exemplo, a obrigatoriedade de definir a idade para que as pessoas possam usar redes sociais. Se as crianças poderem participar, as redes não podem fazer perfilamento dos dados, ou seja, não podem coletar dados dessas crianças para criar um perfil delas.

Isso é tecnicamente possível, mas vai demandar um redesenho das plataformas que vai ser mais fácil para elas expulsarem crianças de vez. Como é que elas vão fazer isso? Na Inglaterra, para a criança não entrar em determinados sites, ela precisa colocar os dados de cartão de crédito. Então, esse é o modo como se proíbe menores de idade de entrar.

AAC: Os resultados da pesquisa podem contribuir nas discussões sobre regulação de plataformas digitais no Brasil? De que maneira?

F. O.: Na tese, eu demonstro como as interfaces das plataformas estimulam a produção de conteúdos falsos e potencializam esses conteúdos. Além disso, a literatura também mostra como os algoritmos preferem esse tipo de conteúdo, porque engajam mais.

A grande contribuição da pesquisa é a necessidade de olhar para os aspectos técnicos da plataforma, para além de entender que o combate a Fake News vai passar só por uma responsabilização da plataforma. Responsabilizar a plataforma é importante? É, mas é preciso exigir mudanças técnicas que são às vezes muito fáceis.

AAC: Você considera que falta no PL maior compreensão sobre aspectos técnicos relacionados ao funcionamento das plataformas?

F. O.: Sim. Por exemplo: é sabido que o WhatsApp tem uma estrutura que apaga metadados quando você publica uma imagem. Isso permite que você crie um ambiente de anonimato para quem produz conteúdo falso. Então, se o WhatsApp mudasse, de forma a manter os metadados, conseguiria reduzir o anonimato. No entanto, é claro que isso tem um impacto econômico imenso para a empresa, porque ela vai ter que armazenar mais informações nos data centers.

Além disso, ao mesmo tempo em que o projeto estabelece a possibilidade do WhatsApp ser responsabilizado por conteúdos, não se questiona em nenhum momento a criptografia de ponta-a-ponta. O whatsapp não vai ser responsabilizado nunca, porque não tem acesso a esse conteúdo. Com isso, eu estou dizendo: “Vamos acabar com a criptografia de ponta a ponta?”. Não. A questão é: é importante discutir os aspectos técnicos dessas plataformas, mas falta aos legisladores essa compreensão. 

Isso me fez lembrar de uma situação: O Alexandre de Moraes ordenou que o Twitter derrubasse algumas contas. E o Twitter respondeu: “Olha, você me mandou o CPF e não trabalhamos com CPF. A gente pede o e-mail da pessoa quando vai criar a conta. Então, pra gente derrubar, a gente precisa do ID do usuário”. Esse foi um caso clássico em que a Justiça demonstrou que não sabia como funcionava a plataforma.

*Frederico é jornalista e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atuou como professor dos cursos de Jornalismo e de Publicidade e Propaganda na Faculdade Sul-Americana (Fasam) e da área de Educação, comunicação e mídias, na Faculdade de Educação da UFG. 

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