Crise nas artes da UFBA?

Por João Bertonie

A Universidade Federal da Bahia e sua relação com as artes foram tema de uma palestra envolvendo quatro professores da instituição. Cada um representou sua área de atuação artística – teatro (, música, belas artes e dança -, no palco do Teatro Martim Gonçalves, na Escola de Teatro (Etufba), na última sexta-feira, 17. Os palestrantes dedicaram-se a falar sobre a trajetória, as heranças e as perspectivas das artes dentro da universidade, em um momento que marcou o último dia da ACTA, Semana de Arte, Cultura, Ciência e Tecnologia. A conversa foi mediada pelo professor Paulo Costa Lima, docente e pesquisador da Escola de Música (Emus/Ufba), e teve a presença do vice-reitor Paulo Miguez.

Antes da palestra, foram apresentados os projetos de dois doutorandos. O primeiro foi uma breve encenação do solo “Ulteridades”, de Iami Rebouças, estudante do doutorado de artes cênicas, que propôs uma discussão sobre o encontro da linguagem artística com a acadêmica. O segundo mostrou a construção do processo criativo de Cristiano Piton, doutorando em artes visuais, que pediu aos presentes que o ajudassem a pendurar as páginas do seu “Livro Extendido” nos varais que foram colocados próximos ao palco do teatro.

"Ulteridades", de Iami Rebouças. Fotos: João Bertonie
“Ulteridades”, de Iami Rebouças. Fotos: João Bertonie

ISOLAMENTO DA ACADEMIA

O vice-reitor Paulo Miguez fez a abertura do debate lembrando que também já foi estudante da Escola de Teatro e, no que diz respeito aos produtores de arte na academia, ele garantiu que há um desafio: como mapear quem faz arte na universidade? “Existe um sem-número de alunos que fazem coisas que são conhecidas fora da universidade e que dentro da universidade não se tem nem notícia”, afirmou o vice-reitor.

A principal crítica que Miguez fez à UFBA foi a ineficiente comunicação. Segundo ele, as áreas artísticas da academia “não se expõem muito ao diálogo”, tornando-se setores isolados da sociedade, que pouco interagem com seu entorno. “Há saber artístico de sobra lá fora que a universidade precisa incorporar”, completou.

TRAJETÓRIA E PROBLEMÁTICAS DAS ARTES NA UNIVERSIDADE

A docente Cleise Mendes, da Escola de Teatro, endossou a opinião do vice-reitor. “A importância do teatro não é só o palco e a plateia; é o foyer, é o estacionamento, é o entorno”, afirmou, ao referir-se ao fraco diálogo com a sociedade, estabelecido pela área acadêmica voltada às artes cênicas.

Referenciando Edgard Santos (1894 – 1962), reitor da então Universidade da Bahia, em 1946, e Eros Martim Gonçalves (1919 – 1973), um dos fundadores da Escola de Teatro, a professora dedicou-se à trajetória da Etufba, desde a sua fundação. “Levar uma escola de teatro para a Bahia era como levar um piano aos pigmeus”, comentou, referindo-se à “revolução” na cena do teatro baiano que foram os primeiros anos da Escola. Cleise, em 1996, foi a autora de “A casa de Eros”, texto dramático levado ao palco do Martim Gonçalves, em 1996, em homenagem ao professor e dramaturgo homônimo.

O professor da Escola de Música, Lucas Robatto, acrescentou à fala de Cleise Mendes, sua opinião sobre a grande importância exercida pela universidade nos campos artísticos. O flautista falou sobre três prováveis motivos que levaram a isso: a carência de produções do meio à época, a altíssima produção artística dentro da academia e a ênfase na vanguarda, no que dizia respeito à busca de novas formas expressão, novos discursos e novos corpos nas experimentações artísticas dentro da academia.

“A produção de arte na universidade era mais conhecida do que hoje”, afirma Robatto, ao falar da “crise das artes na UFBA”, iniciada nos anos 1980. Metódico, o professor sugere duas razões de ser desta decadência: a diversificação da oferta de arte – o que, segundo ele, deveria ser visto como algo positivo, pois denota certa concorrência – e a academização da arte na universidade – o que deveria ser encarado com olhos negativos: “Isso é a morte da arte”.

Porém, Robatto enxerga um futuro mais otimista para a produção das artes na UFBA. Ele deu três motivos para isso: a criação do bacharelado interdisciplinar em artes, que muda a perspectiva artística dentro da universidade; a criação do curso de música popular na Escola de Música, o que torna mais possível o diálogo entre a arte produzida na universidade e o mercado; e, por fim, o reconhecimento de que os saberes não-acadêmicos também são importantes.

Retomando a ideia de isolamento dos setores da universidade, acrescentando a perspectiva do sucateamento do ensino superior, a professora Fabiana Dultra Britto, da Escola de Dança e atual pró-reitora de extensão, contrariou a ideia do professor Lucas Robatto, no que diz respeito às implicações mercadológicas. “A gente da área de artes está muito mais submetido aos demandos do mercado”, afirma, atribuindo valor negativo na relação mercado-arte acadêmica.

Fabiana criticou o “saudosismo” quanto ao passado das artes na UFBA, dizendo que estamos num momento de “continuidade vigorosa e modificada”. “Se é um momento de crise, que seja uma crise que nos leve adiante”, defende a pró-reitora. Ela ainda fala sobre a ideia de extensão, que foi repensada ao longo do tempo, dando prioridade às outras bases do tripé acadêmico, o que pode ter comprometido o modo com que a academia enxerga a sua própria produção artística.

"Livro Extendido", de Cristiano Piton.
“Livro Extendido”, de Cristiano Piton.

ORIENTAÇÃO

A professora Sônia Rangel, da Escola de Belas Artes (Eba/Ufba), mudou o rumo da conversa ao falar sobre sua experiência enquanto orientadora dos projetos de doutorado. Sônia é a responsável por orientar Iami Rebouças e Cristiano Piton, que se apresentaram no início da palestra. “Acolher e interpretar projetos artísticos, essa é a função do orientador”, completou a docente.

Ao final, foi aberto um espaço para perguntas e comentários do público. A palestra marcou o último dia da realização da ACTA.

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