Diversidade na UFBA: evento discute as vivências de pessoas com deficiência e LGBT’s

A terceira edição do Diversilibras aconteceu no auditório do PAF 3, em Ondina

Por Ícaro Lima

A diversidade atravessada por múltiplas perspectivas. Foi esse o discurso que norteou um evento para estudantes, professores e pesquisadores de todo o Brasil interessados em debater sobre as vivências de pessoas que possuem algum tipo de deficiência e também são LGBT’s.

A terceira edição do Diversilibras foi o que causou essa mobilização. Criado em 2017, o encontro faz parte de um projeto de extensão da UFBA, e na última sexta-feira (23), realizou discussões a respeito do tema “(R)existimos! Quer vejam, quer não!”. Foi promovido uma série de palestras, oficinas e apresentações com o objetivo de debater aspectos da diversidade relacionadas a questões de deficiências, gêneros e sexualidades.

Quem iniciou a tarde de reflexões foi a intérprete de Libras, Anne Magalhães, 28, que ficou conhecida na internet por produzir vídeos traduzindo músicas para pessoas surdas. Ela tem 40 mil seguidores no Instagram e interpretou para o público a música “Amarelo”, do rapper Emicida, em parceria com Majur e Pablo Vittar.

Anne também falou sobre a oficina que daria no dia seguinte, sábado (24), sobre “Processos Criativos na Transcrição de Músicas em Libras: possibilidades poético – visuais e sensoriais”, na sala do Labimagem, no Instituto de Letras da UFBA, também em Ondina

Debate além da faculdade
Quem também esteve presente para contar um pouco da sua história e experiência de vida foi o professor de dança da UFBA, Edu O., que apresentou detalhes de algumas de suas pesquisas a respeito dos atravessamentos entre as vivências de pessoas com deficiência e LGBT’s. 

Para Edu, que também é cadeirante e homossexual , devemos rever a forma como encaramos a situação das pessoas com deficiência na sociedade e “pensar esse ‘bipedismo’ – como ele se refere às pessoas sem deficiências locomotoras nas pernas – como uma estrutura que nos organiza e nos exclui”.

Ele falou sobre as vezes em que foi a estabelecimentos comerciais com o seu companheiro e os vendedores o excluíram das perguntas sobre o que ele queria comprar ou comer. Na visão de Edu, isso é uma forma de agressão e humilhação. “A bipedia grita”, lamentou.

Mesmo com um auditório cheio, Edu considera que ainda é preciso muito mais para fazer com que os debates do encontro sejam mais difundidos. “Seria mais incrível se existisse muito mais pessoas, de diversos movimentos, de diversas experiências porque senão a gente só fala de nós para nós mesmos”, ponderou. 

Vivências
A estudante de letras Amanda Soares também compartilhou um pouco da sua história de vida. “Com 19 anos, é a primeira vez que eu vejo uma pessoa igual a mim em cima do palco”, iniciou, já destacando o quanto essa representatividade significa pra ela. 

Amanda, que entrou neste ano na UFBA, também é cadeirante, e falou sobre a sua principal motivação ao ingressar na universidade. “A primeira coisa que pensei ao entrar na faculdade de letras foi: Eu quero ser o que eu não vi”.

Uma outra declaração veio carregada de emoção. Amanda lembrou da morte recente de um amigo, também cadeirante e com paralisia cerebral, porém esse caso não iria fazê-la desistir de seus sonhos: “Mesmo o mundo querendo me matar, eu não vou me entregar”, afirmou.

E, após os aplausos da plateia, quem complementou esse depoimento foi Edu, citando um trecho do refrão da música de Emicida que foi apresentada no começo do evento: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.

Preconceito no ambiente de trabalho
Um outro aspecto social relacionado ao respeito foi debatido: como funciona o entendimento da diversidade nas corporações de segurança pública? Quem esteve presente para falar sobre isso foi Eva Bulcão e Leonardo Eloi, que fazem parte da Rede Nacional de Operadores de Segurança LGBTI+ (Renosp LGBTI+).

A dupla contou que o objetivo da Renosp é representar agentes de segurança LGBT’s das forças policiais e armadas, oferecer apoio jurídico e psicológico às vítimas de crime de ódio e intolerância e também fazer enfrentamentos contra intolerâncias. 

Eva, que é psicóloga e servidora pública da Bahia, detalhou sobre outros desejos que a Renosp tem, como a implementação de delegacias especializadas para casos de intolerâncias por conta de orientações sexuais. Falou também que é necessário a existência de mais estudos e pesquisas visando políticas públicas de inclusão e também criação de redes de acolhimento para pessoas em situação de risco e vulnerabilidade.

Segundo Eva, essas medidas são importantes porque é preciso preparar os próprios agentes para um entendimento mais aberto sobre diversidade, já que, como relatou, “nós próprios policiais somos violentados pelos nossos próprios colegas”.

Leonardo Eloi, que é policial militar e homossexual, ressaltou que apesar das dificuldades, as pessoas que fazem parte das minorias sociais devem ocupar as corporações: “Teve um colega que perguntou como que ele iria entrar na polícia sendo gay”. Leonardo respondeu: “Olha, não é fácil, mas é possível”.

Mais experiências
Mulher, lésbica, surda e feminista. São essas as características que fazem a professora Carilissa Dall’Alba se orgulhar em ter. Ela relatou – em Libras, traduzido por um dos vários tradutores presentes no auditório) – que um evento como o Diversilibras precisa acontecer em vários outros lugares, inclusive onde mora: “Meu sonho é levar um evento como esse para o Rio Grande do Sul”.

Carilissa, que ensina Libras na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também estuda linguística na UFBA, e cobrou mais ocupação dos espaços que as pessoas com deficiência e LGBT’s não costumam ocupar.

Ao final, Carilissa agradeceu a oportunidade de poder falar sobre história: “Fico muito feliz em contribuir com essa experiência. Nossa sociedade ainda é muito fechada e existem muitos LGBT’s surdos que os pais não aceitam essas condições”, finalizou. 

Reações

Após o encerramento, uma participante do evento, Priscilla Leonnor, que é surda e esteve presente em todas as edições do Diversilibras conversou com a Agenda Arte e Cultura sobre a importância do encontro para ela: 

“Eu amei o evento. Eu sou do movimento negro também, então eu, como representante do movimento negro nacional, enquanto mulher, enquanto surda e enquanto negra, tenho que estar abraçada com outros movimentos, com o sofrimento de outras questões e trazer isso de forma a unir a luta colaborativa. [Sobre] como podemos transmitir as informações e melhorar a sociedade para todos nós e para a comunidade surda especificamente”, relatou.

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