Corda e chumbo em exposição

Por Milena Abreu

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Quem lê sobre as exposições “Nós” e “Pendular” não imagina a profundidade e a riqueza em memórias e reflexões sobre o ser humano que existe por trás das obras dessas artistas. Cada trabalho é repleto de significados, que enriquecem e nos permitem fazer inúmeras interpretações a cada minuto em que passamos contemplando-os.

Ao entrar na galeria da artista Ana Fraga, é espantoso observar quantos nós estão espalhados pelo chão. O que pode levar-nos a imaginar quanto tempo se passou para a construção de tal feito  e qual história está por trás de cada nó. Já a exposição “Pendular”, de Rogéria Maciel, é baseada em memórias e vivências da artista. A grande marca de Rogéria é o uso do chumbo como material fundamental de todas as suas obras. Segundo ela, o material é quem escolhe o artista; e o chumbo a escolheu. Assim, ela passou a trabalhar com esse material junto ao conceito de violência na contemporaneidade, tornando-os o grande símbolo de seus trabalhos.

Ana Fraga fazendo nós. Fotos: Milena Abreu
Ana Fraga fazendo nós. Fotos: Milena Abreu

NÓS

O que mais impressiona na exposição de Ana, no entanto, não é a quantidade, mas a diferença que há entre cada bolo de nó, feito por diferentes pessoas. Em cada um, há uma história, uma identificação: “Estão presentes as características de quem o fez”, explica a artista. Esse trabalho foi a primeira vez em que ela se preocupou com a presença do corpo do artista, através das diferenças provocadas de acordo com o posicionamento tomado por cada pessoa que fez os nós.

O grande volume, porém, é inevitavelmente percebido. Foram três anos de trabalho, ao todo, chegando a cerca de cinco milhões de nós. Apesar da obra ainda estar incompleta, faltando um rolo que será finalizado pela artista durante a última semana da exposição. Segundo Ana, o nó tem uma relação íntima com o tempo, dividido entre o seu início e o seu fim, cada um feito separadamente, no seu tempo – que varia de acordo com a pessoa que o faz.

Na percepção de Ana, “O grande bolo de nós espalhados, um sufocando o outro, parece transmitir os conflitos de seus feitores, trazendo a sensação de ser um obstáculo, um algo que entope, que entala a pessoa”. Esse excesso de nós, contudo, não foi feito somente pela questão visual, para ela, os nós representam uma necessidade da sociedade que vivemos hoje, em que tudo deve estar em excesso, desde o que sentimos até o que possuímos. Esse excesso leva a sociedade ao limite, e isso é mostrado pela própria artista, que chegou à exaustão com seu projeto, sendo forçada a pará-lo, por conta de uma LER (Lesão por Esforço Repetitivo) causada pelo longo tempo fazendo os nós.

Rogéria Maciel e sua obra "Calibre".
Rogéria Maciel e sua obra “Calibre”.

PENDULAR

Na exposição “Pendular”, de Rogéria Maciel, a primeira obra que quem entra na exposição pode se deparar é “Calibre”. Sua origem veio de uma experiência com detentas em um presídio feminino, no qual a artista realizou visitas por dois meses e teve ajuda das mulheres para montar sua obra. Trabalhando com o conceito de violência, a escolha do nome se deu, justamente, pela coincidência do número de mulheres ser o mesmo do calibre 38.

O que chama a atenção logo de cara na obra é a posição das flores, que estão colocadas de cabeça para baixo dentro dos jarros, remetendo ao sentimento de sufocamento e aprisionamento que se imagina ser sentido pelas detentas todos os dias na prisão. As obras da artista têm forte poder de relação com histórias vividas por ela, sendo capaz de levar o espectador a vivenciá-las através de sua apreciação. Além disso, cada uma possui um formato, sendo algumas menores, outras maiores; umas mais delicadas e bem feitas, outras elaboradas não com o mesmo cuidado. Cada uma delas reflete a personalidade das detentas que participaram do projeto.

O mesmo acontece com “Agudos”, trabalho feito a partir de memórias afetivas de Rogéria sobre sua infância no interior do sertão. A grande corda de algodão que desce do teto veio das lembranças do candieiro que sua avó acendia por não ter luz elétrica. As pontas afiadas, na verdade, são corações de chumbo que, ao serem enrolados, ganham o formato de espinhos. Os espinhos nascem dos corações e trazem à tona diversos momentos da infância que ficaram no passado. Rogéria conta que, ao longo do tempo, passou a perceber que suas obras são baseadas em ações que eram feitas por sua mãe e por pessoas da cidade em que nasceu, e que hoje ela transforma em arte.

A união entre suas cinco obras não está somente no material do chumbo, presente em todas elas, mas na dualidade que este chumbo representa. O chumbo, assim como as obras, possuem os dois lados: um lado leve, das lembranças, da saudade, e um lado pesado, dos sofrimentos, das angústias e dos conflitos. Para Rogéria, tudo possui o seu lado macio e o seu lado duro, e esses opostos existentes nas obras são o que as unificam.

Até o dia 30 de outubro, o Goethe-Institut recebe as exposições “Nós” e “Pendular”, ambas frutos dos trabalhos de conclusão do mestrado em artes plásticas, na Universidade Federal da Bahia, das artistas Ana Fraga e Rogéria Maciel, respectivamente. Os trabalhos foram vencedores do edital Portas Abertas para as Artes Visuais 2013. O espaço funciona de segunda a sexta, das 9 às 18:30, e aos sábados, das 9 às 13 horas. A entrada é franca.

Um comentário em “Corda e chumbo em exposição

  • 25 de outubro de 2014 a 23:22
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    Texto jornalístico maravilhoso! Com informações e interpretações sensíveis e imagens bem selecionadas. Parabéns e obrigada por esta belíssima divulgação.

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