Abape ende? Quem és tu? Café Científico discute vida dos tupinambás

Professora Maria Rosário Gonçalves, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, discute o passado e o presente dessa nação indígena, na Biblioteca dos Barris

*Por Natácia Guimarães

Abápe ende? – “Quem és tu?”, em tupi – norteou os debates do último Café Científico do ano na sexta feira (13), na biblioteca dos Barris. O tema da palestra, ministrada pela Dr. Maria Rosário Gonçalves de Carvalho, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH-UFBA), foi Os Tupinambás: como viviam e como vivem hoje?. O evento, promovido pelos alunos dos cursos de pós-graduação de História da Ciência e Filosofia da UFBA e UEFS,  contou com a presença de estudantes, professores, curiosos  e de índios tupinambás que fomentaram a discussão.

A maior parte do conhecimento que se possui sobre os índios tupinambás foi adquirido através de relatos de jesuítas durante o período colonial. Eles foram os primeiros povos com quem os colonizadores tiveram contato. O primeiro relato sobre eles pode ser lido na carta de Pero Vaz de Caminha – tendenciosos ou não, esses relatos permitiram um conhecimento melhor sobre esses índios. A nação tupinambá ocupava quase todo o território brasileiro, e a língua que falavam, o tupi, teve a gramática organizada pelos jesuítas e influenciou o português de vários estados. O  trabalho era  dividido pelo sexo e o casamento, por sua vez, era priorizado entre membros da mesma família.

O processo de interação a partir da colonização do Brasil, no entanto, trouxe inúmeras consequências para a cultura indígena. Os portugueses impuseram  a cultura aos índios e não respeitaram as particularidades desses povos. A professora Maria Rosário destacou que “as condições de vida que lhes eram impostas pelos brancos eram duras, o que resultaria que eles abandonassem em pouco tempo o território da zona costeira”. Sobre o processo de expulsão e perda da língua tupi, a palestrante falou do caso da índia Barretá, que morreu na década de 90. Ela esqueceu a língua indígena e nunca conseguiu aprender o português porque já estava numa idade em que lhe era muito difícil de aprender outro idioma. Além disso, Rosário citou a violência e processos de contaminação dos índios, como por varíola,  para eliminá-los. “Se os colonizadores tivessem sido mais tolerantes, nós teríamos um país com muito mais sócio-diversidade”, disse.

Maria Rosário é coordenadora do Programa de Pesquisas Sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (PINEB) Foto: Gustavo Salgado
Maria Rosário é coordenadora do Programa de Pesquisas Sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (PINEB)
Foto: Gustavo Salgado

O complexo tema foi explicado de maneira geral, devido ao pouco tempo, pela palestrante e, depois, foi aberta uma sessão de perguntas. O tempo estipulado da palestra foi ultrapassado em quase duas horas devido ao grande número de perguntas da plateia, que mostrou curiosidade e interesse em conhecer mais sobre as questões indígenas.

Lugar de fala O debate foi iniciado pela índia Tupinambá Tainã Andrade, que começou sua fala lembrando que existe em Salvador, no Passeio Público, o espaço cultural tupinambá, além de ter questionado o lugar de fala sobre os indígenas. “Por que é o outro que tem que estar falando do índio? Por que é sempre o outro que tá falando de nós? Por que não somos nós mesmos pra falar de nós?”, e afirmou que uma das maiores dívidas que o país tem é com o índio tupinambá. “É preciso reparar o processo da escravidão indígena”.

Outra intervenção que chamou a atenção na palestra foi a de um espectador que alegou estar faltando pela primeira vez sua sessão de hemodiálise para ir para o evento. Ele questionou a falta de políticas públicas em prol dos Índios. “A Lei 11.645 fala que é obrigatório o ensino da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. A cultura afro-descendente já está bem difundida nos colégios. O MEC, no entanto, não teve nenhuma preocupação com livros didáticos e formação dos professores em prol da cultura indígena. Acho que está na hora do povo brasileiro, na sua essência, e desde a infância, ter consciência do seu passado e seus valores”, declarou. Respondendo a todos os questionamentos, a professora Maria Rosário ressaltou que a motivava muito ver a sala  do Café Científico cheia de pessoas interessadas na cultura indígena.

Os debates sobre os índios ainda são bastante delicados e a memória coletiva da população ainda tem muitos preconceitos devido ao pouco conhecimento. “Eu já dei aula de Antropologia para os alunos de Direito e pedi para eles caracterizarem os índios. –‘Tem pajé , cacique, usa lança, anda nu…’. No final, falei: parabéns, vocês acabaram descrever os índios do século 16”, comentou uma antropóloga, na plateia.

Foto: Gustavo Salgado
Foto: Gustavo Salgado

A palestrante finalizou o debate falando sobre a questão do modo de vida dos índios tupinambás atualmente, e destacou a organização desses povos para conseguir a homologação do processo de demarcação de terras dos seus territórios. “Mas vamos torcer para que  o território dessa gente tão extraordinária, que lutou tanto, lhes seja devolvido, mesmo que degradado”, declarou.

No final da década de 1970, a questão indígena passou a ser tema de relevância no âmbito da sociedade civil. Paralelamente, os índios iniciaram os primeiros movimentos de organização própria, em busca da defesa de seus interesses e direitos. Atualmente, o debate está girando em torno da PEC 215/2000, que passa para o Poder Legislativo a competência pela demarcação das terras indígenas e quilombolas. Hoje, essa responsabilidade é da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinculada ao Ministério da Justiça.

O Café Científico é organizado pelo professor e pesquisador da UFBA Charbel El-Hani, que falou da importância e objetivo central do projeto existente há oito anos. “A ideia do Café é uma atividade de popularização da ciência. Particularmente, acho legal quando vem, como vieram hoje os tupinambás, pessoas envolvidas com o tema. Assim, vemos que a atividade cumpre o papel social que pretendemos”, declarou.

Maria Rosário Gonçalves de Carvalho: Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Antropologia e Etnologia. É coordenadora do Programa de Pesquisas Sobre Povos Indígenas do Nordeste Brasileiro (PINEB) e do Fundo de Documentação Histórica Manuscrita sobre Índios da Bahia (FUNDOCIN), juntamente com Pedro Agostinho. Tem se dedicado especialmente aos temas da identidade, etnicidade e relações raciais.

 

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