Com texto político e poético, As Confrarias estreia no Teatro Martim Gonçalves

Por João Bertonie

“Foram vocês que o mataram com a faca do desamor!”, berra uma mãe desesperada, para um importante grupo de religiosos, enquanto carrega o corpo do filho morto, no cenário da Minas Gerais do século XVIII. Ela deseja enterrar o menino no cemitério da Igreja, único espaço destinado a sepultamentos existente na época, mas não obtém a aprovação daquele clero. Esta cena é uma das mais dramáticas e intensas de As Confrarias, espetáculo teatral que estreou na última sexta-feira, 5, no Teatro Martim Gonçalves.

No texto clássico de Jorge Andrade (1922 – 1984), discute-se, entre tantas outras questões, o papel do artista na sociedade. A mãe do rapaz – um ator morto por forças do governo -, interpretada por três atrizes (Jacyan Castilho, Marta Saback e Vivianne Lart), percorre as antigas ruas mineiras, procurando uma confraria – associação religiosa de leigos no catolicismo tradicional – que aceite enterrá-lo. Contudo, suas intenções não são tão simples. Tomando para si a “função do artista”, antes exercida pelo filho, a mulher questiona os fundamentos da sociedade, atacando as várias confrarias que regulam as vidas das pessoas: “Uma confraria cativa em gargalheiras de sangue, de interesses, de leis, torna-se covil de tiranos. Não seria aqui que deixaria o corpo do meu filho!”.

Mas a obra de Andrade não se limita à crítica política às instituições sociais. A peça do dramaturgo paulista é sobretudo poética. Em As Confrarias, o texto, que ganha corpo com o trabalho vigoroso de 28 atores da Companhia de Teatro da UFBA, funciona como uma ode à arte teatral, ao nos lembrar de que a vida e o teatro não são facilmente distinguíveis entre si. “Representar um papel: ser com perfeição o que não é”, define Wanderley Meira, em sua interpretação do personagem José.

Dirigido por Paulo Cunha, a sessão inicial do espetáculo lotou o Teatro Martim Gonçalves. Com um público diversificado, a 45ª peça apresentada pela Companhia de Teatro da universidade desde a sua fundação, em 1981, foi ovacionada e gerou diversas interpretações. Ricardo Meira, 56, por exemplo, apreciou a contemporaneidade do espetáculo. “Ela [a peça] diz muito sobre o nosso momento atual, não é verdade?”, referindo-se às manifestações de junho do ano passado e ao “descontentamento geral” contra as instituições sociais. Ele ainda disse que a apresentação é “rica de sentimentos”, no que Joce Magne, sua companheira, concordou e ainda comentou sobre o painel do impostômetro, uma projeção exibida já no final da peça: “A derrama ainda continua. Os impostos continuam violentos.”

Já Fernando Neves, ator veterano que dá vida a três personagens no espetáculo, enxerga no texto de Jorge Andrade uma crítica incisiva à Igreja, especificamente. O artista paraense, ator convidado pela Companhia de Teatro que já está há quase 60 anos nos palcos, diz que a apresentação trata de um tema atual, visto que “ainda temos paróquias” que regulam nossas vidas. Ele ainda afirma se alegrar com a boa receptividade do público: “A gente, como ator, sempre está treinando a alma para vibrar a dos outros.”

As Confrarias permanece em cartaz pelas próximas quintas, sextas e finais de semana até o dia 21 de setembro, no Teatro Martim Gonçalves. A entrada é gratuita.

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