Deolinda Vilhena fala sobre o I Seminário Internacional de Formação e Capacitação em Cultura

DEOLINDA VILHENADeolinda Vilhena é professora do curso de Teatro da Universidade Federal da Bahia e, atualmente, está atuando como presidente da comissão organizadora I Seminário Internacional de Formação e Capacitação em Cultura, que acontece entre os dias 28 e 30 de maio, no Teatro Vila Velha. A professora comenta sobre os convidados do seminário, financiamento da cultura e trabalhos selecionados.

 

 

 

 

por Ítalo Cerqueira

 

Agenda Arte e Cultura: Sua formação acadêmica e profissional é bastante voltada para o teatro e a produção cultural. Qual é a motivação de construir um seminário para formação e capacitação em cultura?

Deolinda Vilhena: Minha formação acadêmica é um reflexo da minha formação prática. Antes de tudo, sou uma mulher de teatro: produtora, administradora, secretária de frente, secretária teatral, como consta na minha carteira do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos Teatrais do Rio de Janeiro. Foram 23 anos de prática teatral antes de encarar a academia, que é algo muito recente em minha vida. Meu doutorado data de 2007 e entrei pela primeira vez em uma sala de aula, como professora, em agosto de 2008 no Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Costumo dizer que comecei onde muitos sonham terminar! Mas, assim como não deixei de ser jornalista, não deixei de ser produtora! A necessidade de entrar para a universidade tem ligação direta com a minha vontade de tornar mais prática, sustentável e empreendedora a vida dos que lá estão se formando intelectualmente. Assim como tem ligação direta com a ausência de bons profissionais das mais diversas áreas técnicas e de criação do mundo do espetáculo ao vivo. Faço parte de uma turma, infelizmente, cada vez menor, que acredita que sem educação, sem formação, sem capacitação não se chega a lugar algum. Considero-me uma mulher de sorte, trabalhei com os maiores nomes das artes cênicas e da música desse país – de Bibi Ferreira a Clara Nunes, passando por Paulo Gracindo e Nathalia Timberg, Tônia Carrero e Nana Caymmi, estudei em grandes universidades – USP, Nanterre, Sorbonne e Paris Dauphine – e tenho 36 anos de profissão e todo esse conhecimento adquirido precisa ser sistematizado e compartilhado num momento em que a economia da cultura é uma realidade. Dona de um caderninho de telefone poderoso, tenho um enorme prazer em dividir o que sei e os gênios com os quais convivo com aqueles que por um motivo ou outro ainda não tiveram acesso a tudo o que a vida tem me dado de bom! Nasci para ser ponte.

Agenda: É notório o crescimento do mercado cultural no Brasil, sobretudo depois da criação das leis de incentivo. A política de incentivos fiscais favorece a democratização no acesso da população à cultura? Como o seminário internacional se insere no contexto de democratização do acesso à cultura?

Vilhena: A política de incentivos fiscais é algo que me incomoda profundamente. Por mais que me expliquem, não consigo entender porque dar a chave do cofre da Receita Federal – falamos de isenção fiscal – aos diretores de marketing das grandes empresas, dos grandes bancos. A cultura deveria ser um negócio de Estado. Sou a favor de políticas de Estado – e não de governos – que beneficiem a cultura como um todo: os que a produzem e os que a consomem. No Brasil, política de incentivo fiscal virou sinônimo de políticas públicas na área da cultura e tem enriquecido muita gente, mas não significa democratização do acesso à cultura. Estou cansada de ver shows, peças de teatro etc., subvencionados com dinheiro público – porque incentivo fiscal é dinheiro público – cobrando ingressos com valores totalmente proibitivos. Por outro lado, nossos governos fazem presente com o dinheiro dos outros ao exigir do empresário de teatro, de cinema que ofereça a meia entrada. Por que o governo não institucionaliza a meia entrada para os serviços médicos? Adoraria chegar no meu dentista e pagar meia prótese, meio canal. Na França, o governo exige ingressos mais baratos, mas subvenciona a cultura como em nenhum outro país do mundo.

Seminário é um ponto de encontro, de discussão, de troca de conhecimentos e saberes, é gratuito, por opção. Todo evento acadêmico pode optar entre ser pago ou gratuito e mesmo tendo feito a segunda opção fui acusada – por algumas pessoas que se inscreveram – de estar promovendo um evento excludente, pelo fato de as inscrições só poderem ser feita via internet. Ano passado fui chamada de excludente por aceitar apenas inscrição presencial. Num caso, alegam que nem todos tem acesso à internet. No outro, que não tem dinheiro para a passagem ou trabalham e não podem ir. Ou seja, as pessoas querem tudo de bandeja. O que me faz pensar que esse talvez seja o último evento gratuito que organizo. As pessoas valorizam mais aquilo que pagam. Recebi e-mails e telefonemas estarrecedores de pessoas que me cobravam como se eu fosse a empregada da casa deles, no tempo de Casa Grande e Senzala. Coordeno um evento gratuito porque uso recursos públicos e me preocupo com o acesso democrático à formação, e pelo prazer de dividir com o maior número possível de pessoas temas que me são caros e que são importantíssimos para os que fazem cultura. Mas vivemos tempos estranhos. As pessoas exigem todos os seus direitos – sem falar daqueles que elas imaginam ter -, mas nunca colocam em prática seus deveres. Sou contra a gratuidade nas artes do espetáculo, por exemplo. Não acredito que a gratuidade facilite o acesso. Sou oriunda de uma geração que se batia para obter o que queria. A geração de hoje – vejo isso constantemente nas salas de aula – acha que tudo lhes é devido. Talvez porque tenham nascido num Brasil bem diferente do Brasil de 1964 a 1985, quando construí minha identidade e minha formação.

Agenda: Em março, foi finalizada a entrega de trabalhos que serão apresentados para as mesas temáticas. Qual é o balanço final dos textos recebidos?

Vilhena: O resultado é positivo. Disponibilizamos 18 vagas e recebemos 28 trabalhos. Poderíamos ter recebido mais, mas decidimos exigir desde o começo o trabalho completo e não apenas um resumo como acontece na maior parte dos eventos acadêmicos. Isso afastou os “aventureiros”, aqueles que se inscrevem em tudo mas não vão a lugar algum, e trouxe para o seminário aqueles que realmente queriam participar. Temos alunos de mestrado e professores com a tarimba e o talento de Carmen Paternostro, por exemplo. E uma diversidade bem interessante, pois há música, teatro, dança e produção/gestão. Acho que essas apresentações vão estar entre os pontos altos do seminário, até porque Hebe AlvesIsa Trigo e Luiz Marfuz saberão conduzir esses grupos de trabalho com muita propriedade, o que promete debates mais do que interessantes.

Agenda: Isabelle Faure, Emmanuel Wallon, Jean-Pascal Quilès serão os conferencistas do seminário. Como a experiência deles na área de cultura irá contribuir para os objetivos do evento?

Vilhena: Isabelle Faure é diretora da NACRe, um dos mais interessantes projetos franceses. A agência foi criada não para institucionalizar o assistencialismo aos jovens empresários do mundo do espetáculo, mas para formá-los e orientá-los. No Brasil, ainda estamos no período do assistencialismo e da vitimização. A experiência de Isabelle Faure poderá abrir os olhos dos nossos formadores e mesmo de alguns aprendizes. Jean-Pascal Quilès é diretor adjunto do mais importante observatório de políticas culturais do mundo, a maior referência na área dos estudos da cultura, e é ele mesmo um artista. Mesmo que ele viesse apenas para nos contar sua experiência como profissional já seria uma atração, mas ele vem para falar de muito mais. Quanto a Emmanuel Wallon, quero dizer que, aqueles que se inscreveram, terão a oportunidade de estar diante de um gênio. Não há na área dos estudos da cultura hoje – do meu modesto ponto de vista – alguém com um poder de análise e com um trabalho mais interessante que o de Emmanuel Wallon. Se as pessoas estiverem prontas a ouvir o que eles têm a dizer e dispostas a compreender que não é uma nova missão francesa chegando, não são colonizadores chegando, mas pensadores dispostos a compartilhar suas vivências, suas experiências e seus conhecimentos, temos tudo para sair doTeatro Vila Velha enriquecidos. Não se trata de fazer da França um modelo, mas de saber um pouco mais sobre a experiência bem sucedida de um país na área cultural, para que delas possamos nos apropriar e fazer bom uso.

Agenda: No dia 6 de abril, a secretária de economia criativa, Cláudia Leitão, confirmou presença e fará a conferência de abertura do evento. O que significa para o seminário essa participação?

Vilhena:  O nosso seminário estava fechado, quando surgiu a possibilidade da vinda da Cláudia Leitão, Secretária da Economia Criativa do Minc. Foi para toda nossa equipe um presente dos deuses. Sou fã de carteirinha da Cláudia Leitão desde a gestão dela na Secretaria de Cultura do Ceará (2003-2006), que lhe valeu o prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura. Sua presença no seminário vai nos oferecer de viva voz e em primeira mão os planos e prospectivas da SEC. E nada melhor do que beber a informação na fonte. Por outro lado, um evento acadêmico depois de receber a chancela da Capes, da Fapesb, do CNPq, da SECULT-BA e da Embaixada da França só pode se felicitar de contar com o apoio do Ministério da Cultura. Não deixa de ser um reconhecimento ao trabalho de nossas comissões, científica e organizadora.

Agenda: Qual a experiência os participantes do Seminário terão após estes três dias de encontro?

Vilhena: Ariane Mnouchkine – diretora do Théâtre du Soleil, não é o Cirque é o Théâtre! – costuma dizer uma frase: o teatro não muda o mundo, mas pode mudar a cabeça de pessoas que podem mudar o mundo. Ao realizar esse seminário, ao buscar as parcerias que me permitiram realizá-lo, tinha essa frase na cabeça o tempo todo. Tudo o que eu espero é que depois de três dias de seminário tenhamos conseguido fazer a cabeça de algumas pessoas, que vão mudar suas cabeças, em seguida vão mudar as cabeças de outras pessoas e assim vamos mudando o mundo. Digamos que esses seminários, esses colóquios, esses pequenos eventos acadêmicos que organizo sejam a minha maneira de trabalhar para mudar alguma coisa nas cabeças das pessoas e ajudá-las a criar coragem para mudar, um pouquinho que seja, o mundo!

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