Marilena Chauí discute as transformações culturais na contemporaneidade

Filósofa esteve presente em segunda edição do Fórum de Pensamento Crítico, em Salvador

*Por Virgínia Andrade

“Cultura é arte e patrimônio”. As palavras do secretário de Cultura da Bahia, Albino Rubim, marcaram a abertura do último encontro do Fórum do Pensamento Crítico, realizada pelo conhecido cerimonialista paulistano radicado em Salvador, Germano Dansiger. O terceiro da série de debates que se estende até dezembro deste ano recebeu a filósofa e professora doutora da Universidade de São Paulo (USP), Marilena Chauí, recepcionada, na noite da última sexta-feira, 11, por aproximadamente 1.500 pessoas na Sala Principal do Teatro Castro Alves.

Partindo do conceito antropológico e filosófico de cultura, Marilena abriu o debate destacando três aspectos das transformações sociais contemporâneas. O primeiro deles é a Revolução da Informática, marca da cultura atual. De acordo com a ex-secretária municipal de Cultura de São Paulo, a informática e os objetos tecnológicos, além de validarem a capacidade intelectual do homem, definiram novos modelos de comportamento e relação social. “A dimensão do espaço desaparece. Não existem distâncias geográficas ou espaciais”, diz. No caso dos objetos autômatos geridos por uma inteligência artificial, mais do que imitarem o ser vivo, passam a substitui-lo, fato que amplia as funções de comando, regulação, vigilância e controle sociais.

A segunda observação da filósofa sobre as transformações sociais diz respeito à “mudança no paradoxo da ciência”. Para Chauí, a ciência tornou-se uma força produtiva vinculada ao capital financeiro, que, por sua vez, funciona enquanto “fluxo aleatório de sinais”. Segundo Marilena, hoje este paradigma é marcado pela noção de informação, que prescinde seu próprio modo de operação. Ou seja, “a transformação da ciência e do capital” – que deixa de ser apenas intelectual para ser também financeiro – “articulada às mudanças tecnológicas referentes à circulação da informação, produziu a ideia de sociedade do conhecimento, na qual o fator mais importante é o uso intensivo e competitivo dos conhecimentos”, pontua.

Dentro dessa perspectiva, Marilena pôs em questão o último aspecto analisado: a indistinção entre natureza e cultura. Materializado no paradigma natureza versus cultura, em que a primeira diz respeito às necessidades absolutas do ser humano e a segunda situa-se no campo das vontades, a professora defende que com o paradigma da informação, relacionado ao monopólio da informação pelas empresas da comunicação de massa, “a distinção entre natureza e cultura tende a desaparecer” – levando, portanto, a uma indiferenciação entre os desejos e as necessidades.

Chauí propôs ainda consequências sociais para essas mudanças, que influenciam o campo da comunicação. Entre as transformações sugeridas pela filósofa estão o surgimento de novas subjetividades a partir da ação democratizadora da internet, a diminuição da autonomia e do poder dos usuários sobre as ferramentas da rede, além da vinculação direta da informação ao capital global, o que, segundo a professora, transforma o usuário em mercadoria. A ideia de Marilena projeta a cultura para além do que a filósofa chama de obras de arte e de pensamento, de maneira que a sociedade projete-se, de fato, enquanto espaço social de produção ativa de conhecimento.

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Mediada pelo diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, João Carlos Salles, a conferência, cujo tema foi “Cultura e Transformação da Sociedade Brasileira Hoje”, foi transmitida ao vivo pelo site da Fundação Pedro Calmon (FPC), além de ter sido exibida na Sala Katia Mattoso, da Biblioteca Pública do Estado, Barris.

O Fórum Promovido pela Fundação Pedro Calmon em parceria com a Fundação Perseu Abramo e a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, a nova edição do Fórum do Pensamento Crítico se propôs a discutir, de agosto a dezembro deste ano, o tema “Cultura e transformação social”. Incorporadas pela UFBA como atividades de extensão, as conferências – abertas à discussão pública – funcionam como espaço amplo de reflexão acerca de temas atuais e contam sempre com a participação de renomados intelectuais brasileiros e do exterior. O próximo evento, previsto para o dia 25 de outubro, no Teatro ISBA, em Ondina, receberá o antropólogo argentino Néstor García Canclini.

Marilena Chauí é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1965), com mestrado e doutorado em Filosofia (1967 e 1971) pela mesma USP, onde leciona. Atua principalmente nos seguintes temas: imanência, liberdade, necessidade, servidão, beatitude e paixão. Lançou, dentre outras publicações, o livro “O que é ideologia” (Ed. Brasiliense), Coleção Primeiros Passos, que excedeu os cem mil exemplares vendidos. Recebeu em 1999 e 2000, respectivamente, os prêmios Sérgio Buarque de Holanda da Biblioteca Nacional de melhor livro de ensaios e o Jabuti de melhor livro brasileiro de Humanidades pela sua tese “A nervura do real”. Recebeu ainda títulos de Doutor Honoris Causa na França e Argentina.

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