Xica da, Xica da, Xica da Silva!

Por Milena Abreu

Em homenagem à semana da Consciência Negra, o projeto Cinemas em Rede apresentou “Xica da Silva”, na Sala de Arte da UFBA, na última terça-feira,19. Foi a primeira vez que o filme, produzido em 1976, foi exibido nos cinemas desde a sua recentemente restauração pela Cinemateca Brasileira. Polêmico, o longa-metragem, de Cacá Diegues, traz diversas temáticas que marcaram a história do Brasil durante a colonização do país, como a escravidão e o racismo, além da exploração de Portugal dos recursos naturais brasileiros.

Baseado no romance “Memórias do Distrito de Diamantina”, de João Felício dos Santos, o maior foco do filme está na sexualidade da personagem Xica da Silva. Polêmica, a escrava alforriada que viveu em Diamantina, Minas Gerais, é brilhantemente interpretada por Zezé Motta, que ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília, em 1976. As conquistas da escrava se dão por conta da fama de boa amante, que lhe traz benefícios impossíveis para as mulheres negras da época, mas que, ao mesmo tempo, fomenta os preconceitos e machismos dos demais diante de Xica.

Sem as amarras hipócritas da sociedade da época, Xica da Silva é apresentada como uma mulher sem pudores, que utilizava o seu corpo e sua sensualidade para conseguir o que queria. De certa forma, o filme mostra uma visão machista e preconceituosa da mulher negra, vista pela sociedade somente como objeto sexual e de mão-de-obra. É possível perceber a sagacidade da personagem, que está sempre armando diversas situações para conseguir o que deseja, ou para se vingar daqueles que estão no seu caminho. Contudo, esta é ofuscada pelo uso que Xica faz da fraqueza dos homens, utilizando-se de apelos sexuais para atingir os seus objetivos.

Outra polêmica que cerca a personagem é a dualidade da relação dela com os demais escravos: ao mesmo tempo em que o desenrolar do filme a mostra como acolhedora de alguns escravos, principalmente as mulheres, dando-lhes roupas e tratando-as como amigas, Xica é colocada em ambientes em que outros escravos estão sendo açoitados e, ao contrário do que se pode imaginar, ela ignora toda a situação.

Segundo Arno Brista, professor de geologia do Instituto de Geociências da UFBA, que vivia na cidade de Diamantina quando o filme estava sendo produzido, a história de Xica é apresentada de acordo com as muitas fantasias que existem a respeito da sua sexualidade. “Quer dizer, ela teve sete filhos, então, no mínimo, ela era bem ativa, né? Mas há todo um imaginário em torno da sua sexualidade e, também, da relação entre escravo e côrte. Mas que teve, de fato, alguns portuguese que perderam a cabeça por ela, teve”, disse o professor, entre risos.

A relação exploratória existente entre Portugal e Brasil também tem destaque no longa. Grande parte dos personagens se mostram submissos à Portugal, com a crença de que o rei era, de fato, um soberano que deveria ser venerado. José, filho do primeiro dono de Xica da Silva, interpretado por Stepan Nercessian, é o único personagem que apresenta uma visão clara diante da real situação do Brasil. Como consequência de suas lutas contra a exploração portuguesa e de sua rebeldia, motivadas pelo pensamento liberal, ele tem que viver escondido no convento dos negros. O personagem do contratador de diamantes, João Fernandes, que também era amante de Xica, interpretado por Walmor Chagas, apresenta-se também como um rebelde, mas as suas intenções são completamente diferentes das de José. Já que este apenas torna-se contra a corte quando passa a enriquecer com os diamantes encontrados.

“Esse filme é emblemático para a história do Brasil, pois reflete exatamente o que aconteceu nessa época no nosso país. Ele retrata exatamente aquilo que é o fundamento da construção do nosso país, que seriam a exploração dos nossos recursos naturais e da mão-de-obra escrava. O filme é um choque, um peso, uma cruz, e é, também, uma alegria, é um movimento que mostra todos os aspectos daquilo que é a construção da nossa sociedade e acaba por comportar uma análise enorme sobre o assuntos apresentados”, acrescentou o professor Arno Brista, que morou em uma das casas construídas por João Fernandes e conhece bastante sobre a história da região.

O Cinemas em Rede acontece em todas as segundas terças-feiras do mês, sempre no cinema Sala de Arte da UFBA. O projeto envolve cinco instituições do Brasil, que seriam a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Universidade de São Paulo (USP), a UFBA, a Fundação Joaquim Nabuco e a Biblioteca Brasileira. A ideia do projeto é criar uma nova forma de exibir cinema, com apresentações simultâneas dos filmes nos lugares envolvidos, e poder difundir o cinema brasileiro. Apesar disso, com a maturidade que o projeto está atingindo, os planos futuros são de começar a trabalhar com filmes nacionais e internacionais.

Imagem: Divulgação/Frame do filme

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