Vocalista da banda Tangolo Mangos conta sobre o primeiro álbum do grupo

Mangas a Caminho da Feira n°1 foi lançado em março, tem seis faixas e foi produzido de forma caseira pelos integrantes da banda

Por Lua Gama

“É como se o Geraldo Azevedo se encontrasse com os Beatles”. Assim é descrito o EP Mangas a Caminho da Feira n°1, álbum de lançamento da banda independente soteropolitana, Tangolo Mangos que faz uma mistura de rock psicodélico, música brasileira e ritmos regionais nordestinos. O grupo é formado por cinco jovens – quatro deles estudantes da UFBA – que, mesmo com poucos recursos, produziram o disco de maneira totalmente independente. Mas como qualquer banda que está no início da carreira, os “tangolos” passaram por alguns apertos: a falta dinheiro para as gravações e para a produção do disco fizeram a banda viajar para uma cidade do interior e lançar uma campanha de financiamento coletivo na internet (crowdfunding). A campanha deu certo e a meta foi batida antes do tempo previsto.

Para falar sobre o disco e outros assuntos, conversei com o vocalista e fundador da banda Felipe Vaqueiro, que também é estudante do curso de Produção Cultural na Faculdade de Comunicação da UFBA. Ele contou que Tangolo Mangos surgiu de um projeto solo de gravação que ele mantinha em uma plataforma online de compartilhamento de áudio, até que decidiu não continuar no projeto sozinho. Em abril de 2017, a banda estreou com a formação atual.

O álbum pode ser acessado no YouTube e nas plataformas de streaming Spotify, Deezer e  SoundCloud. Também está disponível para download gratuito no BandCamp.

A banda é composta pelos estudantes da UFBA Felipe Vaqueiro (vocal, guitarra, violão, bandolim); João Antônio Dourado (bateria e percussão); João Denovaro (vocal, baixo, percussão); Pedro Viana (vocal e guitarra) e também Brian Dumont (sintetizador e percussão) que não faz parte da universidade.

(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

Confira a entrevista:

Agenda Arte e Cultura: Como foi o processo de produção do disco?
Felipe Vaqueiro: As etapas de produção do disco foram feitas de maneira totalmente independente. As composições são todas nossas, e todos da banda contribuíram com os arranjos. Até aí é uma coisa típica de uma banda, mas o disco é independente porque gravamos sozinhos e de forma caseira, por falta de equipamento e de um estúdio. Claro que pode existir problema na acústica do som por realizamos as gravações em diferentes lugares, mas por termos apreço em fazer tudo independente e somado ao fato de não termos dinheiro, resultaram nisso de “meter mão” e fazer por nós mesmos o disco. Não tínhamos um estúdio aqui em Salvador onde pudéssemos gravar, apenas alguns lugares “soltos” como as nossas casas e um mini estúdio no prédio de uma amiga. Tiveram vozes que a gente gravou no playground de um amigo nosso.  

AAC: Você disse que a banda não tinha dinheiro para produzir o disco. Então, o que vocês fizeram para tirar a ideia do papel?
FV: A pré-produção do disco já estava definida desde o final de 2017, mas no carnaval de 2018 percebemos que estava demorando muito para começarmos as gravações e decidimos viajar. Passamos 10 dias na cidade de Euclides da Cunha em um sítio do pai de um dos integrantes da banda, com o objetivo de gravar o máximo de coisas que  pudéssemos gravar, meio que uma experiência imersiva. Alugamos uma bateria lá e levamos os outros instrumentos de ônibus. Colocamos a bateria em um quartinho e o som dela não ficou muito profissional por conta dessa acústica, isso condicionou o que é o disco, algo bem caseiro. Eu brinco dizendo que fizemos muito mais coisas em duas semanas de fevereiro do que ao longo de março a novembro, mas, no final das contas, rolou.

ACC: A etapa final da produção de um disco é a masterização, processo pelo qual o disco passa por uma edição antes de ir para as plataformas digitais. O responsável por essa etapa do EP da banda foi o produtor australiano Rob Grant, do estúdio Poons Head Studio, que já finalizou trabalhos de artistas conhecidos na Austrália como as bandas Tame Impala e Pond. Como foi essa parceria?
FV: Essa etapa foi uma das poucas que nós, desde o início, sabíamos que não teríamos condições de fazer. No início do projeto de gravarmos sozinhos, nossa inspiração foi a banda Tame Impala que também costuma produzir discos caseiros. Percebemos que tinha sempre o mesmo profissional nas produções dos discos, e que outras bandas de rock psicodélico do Brasil contratam os serviços dele. O desejo de trabalhar com ele surgiu por conta dele ser o cara que produz a banda que é uma referência forte pra gente, sabíamos que artistas brasileiros já fizeram contato com ele, então só precisávamos saber o preço do serviço. No final de 2016, quando a banda ainda não estava completa, enviei um pedido de orçamento e em 2017 ele me respondeu. Quando o projeto estava finalmente mais encaminhado, entrei em contato com ele novamente e vi que os valores eram acessíveis e se comparou facilmente aos preços aqui do Brasil. Inicialmente, nós não sabíamos se teríamos verba para isso e, devido ao financiamento coletivo que fizemos, a gente conseguiu ter os fundos suficientes para fazer.

Embora não pudéssemos estar lá vendo a masterização, estávamos confortáveis por mandar uma coisa que tínhamos feito para uma pessoa super experiente.

AAC: Parte do disco foi financiado por uma campanha de financiamento coletivo feita no Catarse. De onde surgiu essa ideia?
FV: Não tinha essa ideia antes, mas, existia sim o conhecimento de usar o financiamento coletivo como uma potência muito grande para os artistas independentes. Eu conheço o caso da banda O Terno, que fez um financiamento para produzir o segundo álbum deles, que é um dos nossos favoritos. Essa opção já rondava na minha cabeça mas não como algo executável, inclusive, por ser uma banda que está dando os seus primeiros passos e no meu pensamento, seria muito difícil alguém dar dinheiro para algo que nem existe direito. Foi durante a disciplina Oficina de Planejamento e Elaboração de Projetos Culturais que surgiu a ideia de efetivar um financiamento coletivo não ligado à banda, mas somente à disciplina. Mas, decidi agregar o útil ao agradável e pensei em fazer algo relacionado ao disco e quis fazer algo para finalizá-lo. Foi uma campanha de 45 dias, não achei que iria dar certo, mas deu.  

AAC: Você imaginava a repercussão que a campanha teve?
FV: Para ser bem sincero, colocamos um valor e não esperávamos que fossemos bater a meta, mas, ao mesmo tempo, não colocamos um valor impossível de bater. O que a gente esperava é que nossos amigos e familiares próximos compartilhassem [a campanha] entre si. Eles nos ajudaram mais do que imaginávamos e acabou que a gente conseguiu efetivar a campanha antes do tempo estimado e sem muitos problemas.

AAC: Já que o financiamento deu certo, pretendem usar novamente o crowdfunding?
FV: A gente pensa em utilizar para outros projetos até porque o crowdfunding, de maneira geral, é um método de captação que tem uma lógica muito interessante: a pessoa paga por algo que ela recebe depois, como se fosse uma pré-venda. Mas meio que já usamos essa cartada, e aí a gente fica se perguntando até quando poderíamos usar de novo. Pretendemos lançar um outro EP em breve, provavelmente não vamos fazer um financiamento coletivo, mas a gente pensa em usar esse tipo de recurso talvez em um álbum, uma turnê, em algo diferente.

AAC: O que esperar do disco?
FV: Uns amigos nossos deram as seguintes descrições de duas músicas do EP: “isso parece um xaxado árabe psicodélico” e a outra foi “é como se o Geraldo Azevedo se encontrasse com os Beatles”, e eu acho que isso sintetiza um pouco do que é nosso disco, algo que explora diferentes coisas em vários momentos. Um disco equilibrado e eclético, que tem momentos mais lentos e outros mais rápidos, dinâmicas intensas, mais rock’n roll, mas também tem momentos puxados pro samba. Ele explora diferentes dinâmicas dentro do que propomos fazer, que é essa mistura de músicas brasileiras e rock psicodélico com um toque regional.

O público pode esperar também um produto que representa muito essa fase inicial nossa de meter a mão e fazer por nós mesmos. O disco é independente e muito nosso, concebido por nós mesmos, tanto os erros quanto os acertos são nossos, algo muito particular e sincero.

AAC: Quais são os feedbacks que o EP tem recebido?
FV: Eu tinha receio das pessoas estranharem a sonoridade caseira do disco, falarem que demorou tanto para lançar, pra depois ser uma coisa improvisada. Mas, por outro lado, eu tinha confiança de que o disco por mais que tenha sido uma coisa caseira é algo sincero, meio que fizemos assim por questões de necessidade e apreço estético. Tenho gostado muito do que as pessoas têm dito, estão elogiado tanto as composições como também os arranjos, mixagem e a produção, que são questões técnicas que tanto me deixavam receoso. Os feedbacks são positivos, os números vêm crescendo, ao mesmo tempo que não são estrondosos. Mas, para quem não tinha número algum, está sendo muito bom (risos). Recebemos mensagens de gente de outros lugares do estado e só de uma pessoa falar que está tocando nosso disco, por exemplo, em Feira de Santana que fica aqui do lado é muito bom. Viajar para fazer show sem um trabalho concreto era meio que um tiro no pé, mas, agora com o disco, podemos viajar para tocar em outros lugares.

Saber que existe um público fora de Salvador querendo o nosso show, soma a ideia de que a hora de tocar em outros lugares é agora.

AAC: Algo mudou após o lançamento do disco?
FV: Um amigo me disse uma vez que é meio assustador depois que você lança um disco e, para ser sincero, sinto que algumas coisas realmente mudaram. Agora que temos algo lançado, podemos fazer show em qualquer lugar do estado, as pessoas vão poder ter acesso ao nosso som na internet e podemos aumentar o preço do cachê que cobramos pelo show.

(Foto: Divulgação)
(Foto: Divulgação)

AAC: Mangas a Caminho da Feira é um nome bastante criativo para um disco. Qual foi a inspiração?
FV: O nome do disco dá a ideia de mangas estarem chegando a uma feira, que no sentido metafórico, pode ser essa loucura do Tangolo Mangos entrar no mercado da música que é confuso e cheio que nem uma feira. Isso se soma ao fato da gente ter gravado a maior parte do disco no interior e tem essa “coisa” das frutas chegarem à cidade. Já o número um é spoiler para um possível segundo álbum.

AAC: Como é ser uma banda independente em Salvador?
FV: A gente se sente um pouco mais inserido no circuito de bandas independentes e alternativas. Hoje eu diria que já temos certo reconhecimento, tanto do público quanto das bandas, muito por conta de uma relação de parceria que foi surgindo. As bandas sempre se relacionam de forma amistosa tentando trazer algo bom para todas as partes, como fazer projetos e shows juntos. Muitas vezes fazemos um show sem receber cachê, algo que nunca aconteceu em eventos produzidos somente por bandas, essa parceria entre as bandas ajuda até nisso. Mas, eu penso que para nós seria interessante sair um pouco da caixinha do rock independente e experimentar tocar em outros locais, para outros nichos.

AAC: Como a banda surgiu?
FV: Originalmente, a banda era um projeto de gravação que eu fazia em casa sozinho, por mais que eu já tivesse essa pretensão na minha cabeça de ter mais pessoas, era algo que não saía do papel. Ao mesmo tempo que eu fazia tudo sozinho e gostava, por outro lado me sentia muito sozinho. Eu queria ter mais pessoas produzindo, ao mesmo tempo que eu não sabia se as pessoas que poderia chamar estariam dispostos a se entregar pelo projeto. Quando começou a existir essa ideia da banda foi muito por esse lado de querer tocar com mais gente, ter mais pessoas compondo. Eu tive uma banda com João Denovaro, daí recrutei ele. Depois surgiram dois grandes amigos meus que hoje são da banda: João Antônio e Brian Dumont, que surgiram nos rolês da vida, isso no final de 2016. Quando virou o ano para 2017, comecei a voltar com essa ideia de montar uma banda. O último que veio fazer parte foi Pedro Viana, que é o cara que eu conheço há mais tempo.

AAC: Por que começou o projeto?
FV: Comecei o projeto em 2016 muito por um desejo meu de gravar as músicas que escrevia e vê-las funcionando juntas com os instrumentos, achava isso muito legal. Na época, estava muito influenciado pelo Tame Impala, uma banda que grava meio caseiramente e independente, então pensei que deveria tentar fazer algo assim também. Outras pessoas no Brasil também já estavam nesse ímpeto, os próprios Boogarins, uma banda daqui de Salvador. Enfim, fui bem influenciado por essas bandas que eu conheci no final da adolescência. Eu tinha uma placa de áudio e um microfone bem simples de uns projetos da escola de quando eu tinha uns 15 anos, tinha interesse em edição de vídeo e áudio, e pedi de aniversário uma placa de som. Foi nessa mesma placa de som que vieram as primeiras demos e gravamos o disco atual.

AAC: Você imaginava que seu projeto poderia ser algo profissional?
FV: Eu imaginava sim que poderia ser algo profissional, mas eu achava que, para profissionalizar, para dar certo, eu não poderia estar sozinho. Essa foi uma das melhores decisões que eu já tive, por ter mais gente pensando, mais pessoas para fazer as funções que um “rolê” independente precisa e tudo mais. A gente ainda está passando por esse processo de profissionalização, mas comparar o nosso estágio atual, uma banda com alguns shows executados, com um EP lançado, isso tudo demorou tanto com mais gente na banda, imagina se eu estivesse sozinho. É muito importante a gente estar em coletivo para efetivar essa profissionalização.

AAC: Você está em contato com a música desde a adolescência. O que te fez escolher cursar comunicação e não música? Como faz para conciliar as duas áreas?
FV: No terceiro ano do ensino médio estava perdido em qual área escolher, mas me soou interessante ter uma formação em comunicação, algo que eu já queria. Pensei na habilitação em Produção Cultural que poderia auxiliar no desenvolvimento e na gestão da minha carreira como artista e também da banda. Uma coisa que a faculdade me proporciona bastante é poder misturar questões da banda com os conteúdos das aulas, o próprio financiamento coletivo foi realizado através de uma matéria do curso. Os outros integrantes da banda também cursaram disciplinas de comunicação aqui na Facom. Fiz um plano de comunicação para o disco e meu TCC provavelmente será um trabalho audiovisual relacionado a banda. Agregar as coisas é uma das formas de conciliar os tempos. É  complicado, mas tá rolando.

AAC: Pretende atuar na área depois de formado?
FV: Pretendo me dedicar mais à música, mas, pelo menos por enquanto, eu meio que vislumbro que são coisas que podem se agregar um pouco. Ao mesmo tempo que a gente [a banda] se dedica à música, esse disco só saiu porque também nos dedicamos como produtores. De certa forma, pensando nesse modus operandis da música independente, a música e a produção vão caminhar juntos por um tempo. Eu não sei se eu tenho esse ímpeto de trabalhar como produtor cultural fora da área musical. Eu sinto que a banda seria o meu carro-chefe, e por fora poderia fazer coisas de produção, desde produzir bandas de amigos, ou gerir um estúdio… São possibilidades que eu me pergunto se são caminhos a serem considerados. Mas, sei lá, o meu foco é a música.

AAC: Por fim, quais serão os próximos passos da banda?
FV: Para este semestre temos algumas coisas que podemos anunciar. Em junho vamos fazer um show de lançamento da banda. Pretendemos lançar um clipe ainda neste semestre e começamos os trabalhos para o nosso próximo disco, que também está sem data de previsão para ser lançado. Esse segundo disco vai ser na mesma vibe do “faça você mesmo”, mas, claro, aprendemos muitos com os erros. Esse disco terá algumas diferenças. Provavelmente, vamos produzir esse disco ao lado de um amigo nosso que tem um estúdio, a gente quer tentar fazer algo com uma qualidade mais profissional, mas sem perder o pé do “faça você mesmo”. Caso o público queira sentir a vibe do segundo disco, vamos tocar algumas músicas dele no show de lançamento.

CAPA foto por Natália Domiciano

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