Economia da cultura e organizações afrobaianas no carnaval são destaque em Seminário

*Por Ítalo Richard

Embalado com música ao vivo antes do início das discussões, o último dia do Seminário de Políticas e Gestão Cultural, realizado na noite de segunda-feira (01), trouxe à tona a discussão sobre o cenário daEconomia da cultura e a gestão de organizações afrobaianas no carnaval de Salvador. A mesa temática, mediada pelo professor Paulo Miguez, foi composta por representantes de três famosos blocos afros da capital baiana. Edmilson Lopes (Ilê Aiyê), João Jorge (Olodum) e Alberto Pita (Cortejo Afro) participaram do evento destacando a atual conjuntura do carnaval baiano e, sobretudo, a deslealdade na distribuição de incentivos financeiros e espaço midiático, que se concentra nas mãos de grandes blocos e estrelas da música baiana.

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O diretor do Ilê Aiyê, Edmilson Lopes, criticou a distribuição das verbas feitas pelo governo e empresas privadas que privilegiam grandes blocos e determinados artistas do cenário musical baiano. No entanto, ele aponta que o principal problema não se limita ao ponto de vista comercial, mas o de associar a marca a grupos étnicos. “A questão é associar a marca a grupos étnicos que estes patrocinadores não reconhecem como representativas na economia desse Estado”. Edmilson também destacou as ações sócio-políticas que ajudam a dar sustentabilidade à organização. Nesse sentido, os editais têm sido importantes para suprir algumas demandas, de acordo com ele.

O presidente do Olodum, João Jorge, falou inicialmente do sucesso da instituição, uma das mais conhecidas e bem sucedidas do mundo, e destacou os principais carnavais vividos pelo bloco. Traçou bem resumidamente o panorama do carnaval baiano nos anos 1980 que, segundo ele, passou por uma inovação estética naquele período. A atual organização do carnaval e a falta de espaço dado pela mídia às organizações afrobaianas foi objeto de crítica do diretor do Olodum. “Mesmo as várias organizações afrobrasileiras tendo leis de incentivo a cultura, você pode pesquisar que elas têm muito pouco ou nenhum incentivo. A arrecadação entre os blocos é profundamente desigual, é uma covardia até”, ressaltou.

Essa deslealdade não se restringe à distribuição das verbas para o carnaval, mas no espaço dado pela televisão aos desfiles dos blocos afros, que são abreviados ou desqualificados pela própria mídia televisiva local. “Está passando o Afoxé Filhos do Congo, por exemplo, e a TV imediatamente começa a transmitir o carnaval da Barra do dia anterior. Os quarenta minutos que o Filhos do Congo está desfilando no Campo Grande, as câmeras estão ali, mas a transmissão ao vivo está mostrando como foi fulana e fulano na Barra. Isso tem acontecido muito com o Cortejo Afro, o Muzenza, todo mundo”. João Jorge ainda salientou que a maioria dos cinquenta e seis blocos afros da cidade não são evidenciados na televisão. De acordo com ele, essas organizações nunca são destaques como melhor bloco, música, cantor, ou seja, poucas pessoas conhecem os blocos e seus integrantes. “Eles são invisíveis. Os protagonistas dessa cena cultural são ilustres desconhecidos”, completou.

O diretor do Olodum também provocou a plateia ao dizer que não haverá mais cantora ou artista negro de peso protagonizando o carnaval da Bahia, pois estarão ofuscados pelos artistas brancos que hoje dominam a cena. “Você tem três cantoras, todas as três são mulheres brancas. Nenhuma chance para mulher negra aqui ser cantora de sucesso na Bahia. Os próximos setecentos anos serão de cantoras brancas. Não vai sair ninguém como Carlinhos Brown mais”, sentenciou.

Para dar continuidade ao assunto, Alberto Pita, do Cortejo Afro, falou de como o carnaval se modificou ao longo dos anos e tem ganhado contornos cada vez mais comerciais. Ele explicou para os presentes as ações que o bloco tem feito para acompanhar esse crescimento e as mudanças da festa, sem perder de vista o valor estético que dá identidade à organização. “O Cortejo fez quinze anos e ele surgiu da necessidade de recuperar as cores perdidas do carnaval da Bahia”, disse. Foi feita uma retrospectiva dos carnavais do bloco, além de se falar sobre as dificuldades e conquistas ao longo desses quinze anos.

A exposição foi encerrada pelo mediador Paulo Miguez, que fez algumas considerações a respeito do que foi discutido, ressaltando algumas falas importantes dos convidados. Para que não existam mais processos de exclusão, reforço das desigualdades e concentração do negócio carnavalesco, o professor ressaltou que os blocos afros devem redobrar sua atenção. “Acho que há uma inteligência coletiva no mundo das organizações afrocarnavalescas suficiente para produzir ideias, inclusive para produzir um enfrentamento”, disse Miguez.

Seminário de Políticas e Gestão da Cultura teve um total de onze mesas temáticas e foi promovido por uma equipe de estudantes dos Bacharelados Interdisciplinares em Artes e Humanidades do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC).

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