Como está sendo o isolamento das pessoas LGBTQIA+ com suas famílias?

Estudantes LGBTQIA+ contam como têm enfrentado a quarentena 

Luana Lisboa*

“A faculdade foi o primeiro lugar em que realmente me senti acolhida como LGBT. Sendo do interior, nunca tive contato com pessoas da comunidade e conviver com essas pessoas me fez sentir como parte de algo. Ter pessoas que passam pelas mesmas experiências que eu, que podem me entender. Quando chegou a pandemia, voltei para o interior e isso, de certa forma, me fez regredir. Não posso ser eu mesma porque não sou assumida para toda família. E minha mãe, que sabe que sou gay, prefere que eu esconda minha identidade. Então sinto muita falta de poder estar em um lugar que me sinto segura”.

Esse relato é de Amanda*, estudante de jornalismo da UFBA. Ela está passando o período de isolamento com seus pais, no interior de Macaúbas, desde março, quando as aulas da Universidade foram suspensas. Para se distrair, costuma conversar com amigos online, voltou a tocar violão e tem assistido muito mais seriados televisivos. Em seus momentos de maior tristeza, liga para sua irmã, que mora em Salvador e a ajuda a passar pelas crises. Essa não é só a realidade de Amanda, mas também a de milhares de pessoas LGBTQIA+ que não são aceitas por seus familiares, com quem as convivências se intensificaram com a quarentena.

Para Pedro*, estudante de cursinho em Salvador, está complicado manter a rotina. Ele passa o isolamento com pai, mãe, irmã e tia. Mas conta que os estudos diários, além de o ajudarem a conquistar uma vaga em medicina, funcionam também como uma “válvula de escape”. O contato virtual com os amigos, uma rotina de malhação e a busca por novos hobbies também estão contribuindo. Ele passou a praticar meditação e a se interessar por gastronomia. 

Já Juliana*, estudante de Farmácia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), acredita que o que a tem aproximado dela mesma são os cursos online que tem feito. De política a feminismo, os cursos a tem ajudado, junto com as chamadas com os amigos, a fortalecer sua rede de apoio. 

“O enfraquecimento dessa rede, devido à falta do contato físico, é um dos principais motivos do adoecimento psíquico nessa situação”, explica a psicóloga clínica Lara Cannone. 

Ela ressalta que cada pessoa tem sua particularidade e que, por isso, evita dar dicas genéricas de como cada um deve gerir sua situação. “Ver essas dicas generalizadas pode aumentar a autocobrança da pessoa. Nem todo mundo está se sentindo motivado para fazer uma atividade física, ter concentração para ler um livro, para focar nos estudos, e tudo bem. A gente não pode ficar reproduzindo um discurso de bem-estar absoluto. Existe espaço para o sofrimento”.

Manoel, estudante de Direito da Uesb, conta que, apesar de se considerar uma pessoa extrovertida, tem passado a maior parte do seu tempo isolado no quarto. Ele mora com sua mãe, tia e dois primos. “Praticamente 100% da minha felicidade estava relacionada ao contato físico, seja em frequentar lugares favoráveis à presença de membros da comunidade LGBT, reunir com meu grupo de amigos que sejam como eu ou que compreendam o conceito de diversidade e me aceitem como sou, e todas as outras formas que me permitia fugir ao máximo da sociedade heteronormativa”.

Mecanismos de enfrentamento
Para Ariane Senna, primeira psicóloga trans de Salvador, a solidão do LGBTQIA+ é só mais uma das formas de exclusão social que a comunidade já está sujeita. “Somos todas e todos seres sociáveis. Quando nós LGBTs temos esses contatos negados e inexistentes já estamos sendo mortos e mortas de alguma maneira. A solidão é boa para quem deseja e para quem não é uma condição imposta pela exclusão”.

Para ela, a questão é encontrar, cada uma/um do seu modo, mecanismos de enfrentamento para a LGBTfobia. O dela, por exemplo, foi recorrer ao espaço acadêmico e de movimentos sociais, nos quais diz se sentir mais respeitada. “É entender que é melhor não mais ficarmos atrás de aceitação em uma sociedade que prega ódio para com a nossa população mas sim, exigir, dentro das nossas possibilidades, o respeito. Se isso falhar, aí entra a importância de buscarmos redes de apoio, nem que essas sejam institucionalizadas, que trabalhem para um mesmo Estado que não está nem aí para nós”.

Ela também afirma a importância da psicoterapia, mas pensa em outras opções que possam ser acessíveis a todos e todas que estão tendo dificuldade em lidar com isso sozinhos: coletivos locais de luta, grupos de WhatsApp e de outras redes sociais que possibilitem a ressignificância desse contato físico, por ora, perdido.

Alguns desses coletivos locais são o Grupo Gay da Bahia (https://grupogaydabahia.com.br/), com sede no Pelourinho, o Movimento de Lésbicas e Mulheres Bissexuais da Bahia, nos Barris, (https://www.guiagaysalvador.com.br/roteiro/cidadania/movimento-de-lesbicas-e-mulheres-bissexuais-da-bahia#/0) e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, com representação física localizada em Nazaré (https://www.facebook.com/antrabrasil/).

*voluntária da Agenda Arte e Cultura

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