Preservação ambiental e cultura estruturam o Centro Cultural Mata Inteira

O Mata Inteira funciona como espaço para a realização de projetos culturais e promoção de cuidados à flora, à fauna e a pessoas que frequentam o centro

Por Greice Mara e Kelven Figueiredo

O batuque dos tambores e atabaques que soam da reserva florestal atrás da Escola de Dança todas as tardes de sexta chamam a atenção de qualquer um que passe por perto. Escondido, bem no centro do pedaço  da mata funciona o Centro Cultural Mata Inteira. Sua principal função tem sido preservar o espaço e todos os seres vivos que ali habitam, além de ocupar a mata e manter  mais um espaço cultural na Universidade.

Embora o Centro não possua uma rotina fixa e as atividades mudem de acordo com as demandas, uma coisa é sempre certa: a figura de Luiz Carlos, mais conhecido como “Luizão Negão”, chegando sempre com sua magrela para cuidar do lugar, pelo qual ele nutre imenso carinho. Ele não faz isso só pelo afeto que tem pela mata, mas também para dar continuidade ao trabalho de seu mestre, Ivan Machado. Luiz até se emociona ao falar de Ivan, quem ele considera ser alguém muito espirituoso. Falecido em 2011, Ivan ainda é lembrado na Escola de Dança, onde trabalhou por mais da metade de sua vida como funcionário da UFBA.

“Ele era como um pai para mim”, explica Luiz. O homem ainda revela que a relação do Mestre Ivan com o local veio antes mesmo de se tornar território da UFBA. Segundo ele, Ivan morou na área que hoje corresponde ao campi de Ondina e teve contato ainda muito novo com a mata. Por essa identificação, Ivan, ainda em vida, tentou mostrar às pessoas o quanto aquele pedacinho de terra é importante, assim como os seres que vivem ali e todo o ecossistema que o envolve.

mata inteira luizao
Luiz Carlos é o atual gestor do Centro / Foto: Geovana Côrtes

Dulce Aquino, diretora da Escola de Dança, afirma que o Mestre chegou a tocar percussão em algumas aulas na instituição. “Possuía muito conhecimento de questão rítmica, atabaques e etc, ele tocava muito bem, tinha sensibilidade e capacidade. Era muito criativo e uma figura interessante”, conta. Ao juntar a paixão pela mata e pela percussão, Ivan decide, em 2005, criar o Centro Cultural Mata Inteira.

O Mata Inteira tem esse nome, segundo Luizão, por escolha de Ivan que prezava pelo cuidado da mata. “O nome foi ideia de meu mestre. Ele achou que ‘mata inteira’ representava a preservação da mata”, diz. No espaço, Luiz conta que todos cuidam da mata, dos animais e das pessoas. A relação criada entre os frequentadores e o local é muito forte. “As pessoas adoram esse espaço porque dizem que só aqui tem esse tipo de relação com a natureza dentro da UFBA”, conta.

Além de toda a questão que envolve a preservação da fauna e da flora e do cuidado com as pessoas, há uma série de atividades culturais promovidas no espaço. Com isso, Luizão vê a convivência no local como algo único, capaz de proporcionar diversas formas de aprendizado em virtude da “espiritualidade” do lugar. “Você não vai aprender na faculdade o que aprendi aqui”, garante. A existência dessa “espiritualidade” é assegurada por George Teixeira, estudante de jornalismo e frequentador do Mata Inteira desde 2010. “Não é um terreiro de trabalhos, mas há uma relação religiosa com o espaço, uma relação mística e afetiva que passou de Ivan para nós”, afirma.

Atividades Culturais

O Mata Inteira atrai uma média de 100 frequentadores mensais que participam de saraus, aulas de percussão, capoeira e do CineMata – mais recente projeto do Centro. Segundo Luiz, a maior parte desse público é de estudantes da UFBA. Normalmente, as ações são programadas de acordo com as demandas do público e do espaço. Apenas as aulas de percussão possuem dia e horário fixos – todas as sextas, a partir das 17h. Mas Luizão garante que o local é aberto para quem quiser iniciar algum projeto cultural. “Quem tiver seu projeto e quiser usar o espaço, é só chegar e falar com a gente que nós damos um jeito de o projeto funcionar”, afirma.

O CineMata, projeto mais recente do espaço,  consiste na exibição de filmes com uma temática diferente todo mês. O projeto é coordenado por George Teixeira, que relata a dificuldade de levar os equipamentos para a exibição dos filmes para a mata além de estar trabalhando praticamente sozinho no projeto. Para a edição de novembro, George conta o apoio de Iago Alves, estudante de produção cultural. Juntos, eles vão produzir uma sessão de cinema negro, em referência ao Mês da Consciência Negra. “Vou juntar a proposta do CineMata com o que eu tenho de filme em casa e promover debates sobre o que vem sendo produzido no audiovisual baiano e brasileiro”, conta o estudante. 

Centro Cultural luta pela preservação da fauna e flora do espaço / Foto: Geovana Côrtes
Preservação é uma das lutas do Centro Cultural Foto: Geovana Côrtes

Preservação do espaço

Luiz reclama que muitas pessoas que entram na mata descartam o lixo de maneira inadequada, contribuindo para a poluição do espaço. Ele cobra uma maior fiscalização no entorno do Centro Cultural, além de uma postura mais informativa da UFBA com os alunos, para que estes possam ajudar a manter a mata conservada. Luizão avalia  o diálogo do Centro Cultural com a Universidade, em sua atual gestão, como  “muito bom”. Ela conta que  costuma ser convidado para conversas com o reitor João Carlos Salles, mas este quadro já foi muito diferente nas gestões anteriores, uma vez que o espaço não era reconhecido pela Prefeitura de Campus e não tinha nenhum amparo da Universidade.

Um dos maiores medos de Luiz é que a próxima gestão da UFBA não tenha uma relação tão boa quanto essa e resolva implementar algum projeto que possa comprometer a preservação da mata e do próprio Mata Inteira. “Eu vou ser sincero, não confio no homem”, admite. Essa desconfiança também chega em George, que afirma participar das conversas com o reitor com um certo receio. “A gente não sabe quais são realmente os planos da UFBA para aquele espaço. A nossa permanência é sempre nesse processo de resistência, porque esse espaço permanece como local de disputa não só pela UFBA, mas também pela Escola de Dança e pela Escola de Veterinária. Vários professores já tentaram implementar projetos aqui e tirar a gente da mata”, conta.

Luizão ainda acha que a Universidade poderia intervir para divulgar o Centro como um espaço de todos, a fim de fazer com que a comunidade crie laços com o que restou  de área verde na UFBA. Ele  lembra da importância de estar  presente no Mata Inteira e o papel que cada um deve desempenhar para preservar o local. Seu maior sonho é que todo mundo entenda que o espaço não era exclusivamente de Mestre Ivan, assim como não é dele. “Nós somos apenas os cuidadores, mas qualquer um que quiser frequentar e cuidar também será bem vindo”, conclui.

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