Pesquisadora do PósCom comenta mudanças e características do jornalismo brasileiro

Lia Seixas aponta as tendências mais atuais no jornalismo e reflete sobre as grandes mudanças na imprensa brasileira       

Por Kelven Figueiredo e Rafaela Oliveira

Lia Seixas é graduada, mestre e doutora em Comunicação Social. Atualmente é professora de jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e  pesquisadora do Programa em Comunicação e Cultura Contemporâneas (PósCom – UFBA). Sua tese de doutorado foi resultou no livro Redefinindo os gêneros jornalísticos: proposta de novos critérios de classificação pelo Labcom Books da Universidade Beira Interior (Portugal). Lia também é coordenadora do Núcleo de Estudos em Jornalismo (NJor). Em entrevista à Agenda, ela aponta as principais mudanças do jornalismo brasileiro que, segundo ela, está sempre atrás do jornalismo internacional. Ela também aponta dilemas enfrentados pelo campo, como o advento da tecnologia e do jornalismo digital. A pesquisadora questiona ainda o tempo curto que se tem nas redações dos portais para fazer todas as etapas do jornalismo e dar furo na concorrência com coerência e qualidade de informações.

Agenda Arte e Cultura – Você acha que o nascimento tardio da imprensa brasileira influenciou ou  influencia em seu desenvolvimento?

Lia Seixas – Sim. O nascimento tardio é o mesmo motivo do baixo desenvolvimento, da sensação estarmos sempre a reboque. Hoje em dia, por exemplo, o New York Times testa o jornalismo imersivo. Eu não conheço nenhum material, nem mesmo da Folha de S. Paulo que seja jornalismo imersivo, embora a tecnologia está disponível.

AAC – Quais as principais mudanças que você nota na imprensa brasileira?

LS –  Há uma necessidade de publicizar o mais rápido possível por conta da concorrência e do furo. Essa é uma mudança grande que reflete na rotina,  na narrativa e nas condições de produção. Outra mudança é a influência do público que consegue fazer comentários, pressionar, e às vezes, possui informações de bastidores. Shudson considera essa interação como uma das funções do jornalismo: a criação de um fórum público. Se você tem a possibilidade de ampliar o debate, isso significa que a sociedade, de uma maneira geral, consegue fazer uma discussão mais interessante também. Também existe uma atualização contínua com as mídias digitais que mudou tanto o impresso quanto o digital.

 

O nascimento tardio é o mesmo motivo do baixo desenvolvimento da imprensa brasileira

 

AAC – Com o surgimento de novas mídias, várias outras  entraram em crise. Sendo assim, como muito tem se falado da crise do impresso, você acredita que ele poderá ser substituído pelo digital?

LS –  Eu penso que o jornalismo impresso vai se adequar a isso. Enquanto produção cotidiana pode ser que ele acabe. O impresso precisa de um dia para ser publicado, enquanto o digital é instantâneo, só precisa do tempo de ocorrência, apuração e publicação daquele material.  A quantidade de informações que temos durante 24 horas é tão grande que temos a sensação de o impresso estar velho no dia seguinte, porque a gente já leu e ficou sabendo do que aconteceu no dia anterior. As empresas sabem disso. Estão em crise, mas não tomaram uma posição em relação a essa periodicidade. Eu não sei se isso vai mudar, mas eu creio que deveria mudar. Mas ninguém fala de uma crise da revista semanal e ela é impressa. Quando se fala impresso e digital, na verdade, se fala do cotidiano do jornal diário e do digital, não do impresso e do digital. Por que ninguém questiona a revista impressa? Porque a revista impressa traz o que os produtos de web notícias não trazem.  

AAC – Você acha que os questionamentos acerca do jornal impresso existem por ser uma mídia factual?

LS –  Eu acho que é isso. Essa discussão de termos mais reportagens, mais profundidade, é uma discussão que já tem mais de 10 anos entre os proprietários dos jornais diários. Só que eles não sabem exatamente o que fazer.  A reforma do Correio* foi feita pensando nisso.  O jornal possui duas lógicas: a do factual e  a de reportagem. Essa adequação é fruto da influência das mídias digitais. No entanto, não se consegue sair do factual, porque no dia a dia muitas coisas estão acontecendo. Por isso  há uma esquizofrenia, uma dificuldade de definir, de sair, de pensar como vai ser. A periodicidade de um dia acaba sendo influenciada pelo factual e a periodicidade semanal não. É uma discussão interessante.

 

A quantidade de informações que temos durante 24 horas é tão grande, que temos a sensação que o impresso está velho no dia seguinte

 

AAC – Que diferenças você nota no jornalismo desde o surgimento dos portais e aplicativos de notícia?

Atualmente, estão tentando fazer um texto que seja adaptável para vários dispositivos, principalmente celular e aí entram adaptações que eu, inclusive, questiono. O Bahia Notícias é um dos produtos que não tem parágrafos e eu nunca me acostumei.  A justificativa é para que seja possível ler melhor pelo celular, mas eu não acho que justifica. Se você fizer uma comparação entre o BN, seja aplicativo ou seja WEB, e outros, como  o NPA News e o  Circa News,  todos trabalham bem com parágrafos obviamente com um design limpo, com uma noção de página em que você consegue se situar. Há algumas mudanças a respeito do tamanho do texto que são óbvias. Eu não sei se é verdade que os textos diminuíram, particularmente ainda acho que eles são grandes, mas entendo que há uma tentativa de adaptação para os vários meios.

AAC – Como o surgimento das novas mídias influenciam no desenvolvimento do trabalho do jornalista?

LS – Existe uma influência que é muito grande e interessante: o retorno da função do redator. O repórter na rua, por meio de uma ligação, relata a notícia e o redator é quem escreve. É uma mudança grande na rotina produtiva, porque é preciso fazer com rapidez e com segurança. Essa é a grande tensão do jornalismo digital hoje: tornar público e ao mesmo tempo conseguir fazer a apuração. Algumas empresas estão tomando decisões em relação aos horários nobres de acesso e só publicam novas manchetes nestes horários. Por mais que a tecnologia seja instantânea, escolhe-se o horário nobre para colocar algo de destaque. Um dia tornou-se muito grande e ninguém tomou coragem para dizer que o jornal não será mais cotidiano, será semanal. Creio que existem outras mudanças que ainda estão prestes a acontecer, mas não na Bahia.

 

O jornalismo faz parte da sociedade e a sociedade baiana  é pobre

 

AAC – Você acredita que há um bom aproveitamento dos recursos dessas mídias?

LS – Acho que no Brasil não há um excelente aproveitamento. Em São Paulo, principalmente na Folha de S. Paulo,  há um aproveitamento melhor. Na Bahia o aproveitamento não é ruim, não porque as pessoas não queiram melhorar, mas porque o jornalismo faz parte da sociedade e a sociedade baiana  é pobre. O jornalista também é. Em consequência disso, o jornalismo e os empresários também são. Temos três novos portais de notícias, mas não temos recursos. Hoje em dia o que mais se usa é o celular. A gente tem os netbooks que poderiam ser usados, mas não temos essa disponibilidade de material nas organizações. Para fazer jornalismo, é preciso carro, plano de celular… não é o dispositivo e só. Atualmente, o que se tem feito é usar todas as ferramentas gratuitas disponíveis na web e no celular.

AAC – É possível vislumbrar como seria o futuro da imprensa brasileira?

LS – Eu não sei como vislumbrar o futuro da imprensa brasileira, mas há uma tendência de mudança, de reajuste. Eu arriscaria dizer que a velocidade tem que ser repensada. Obviamente, as tecnologias digitais também são o futuro, fazem parte do processo coletivo, do jornalismo, o que não significa dizer que o produto tem que ser digital. Um recurso digital do qual se fala mal hoje em dia é a diagramação, os layouts prontos. Outro aspecto muito curioso, é que o Facebook montou um sistema para publicação de notícias. A lógica é assim: se a BBC é acessada via Facebook, então eu vou produzir um sistema em parceria com a BBC para que a produção de conteúdo seja feita dentro do Facebook. Isso está sendo testado no Brasil e no mundo, inclusive existe uma parceria forte do Washington Post com a empresa. Pode ser que tenhamos mudanças nesse sentido. Se o consumo está se dando no celular e o consumo de notícias aumenta nesse dispositivo, tem que se pensar em algo que seja produzido para ele.

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