“Viva a universidade pública”: abertura do Congresso da UFBA 2018 é marcada pela defesa das instituições públicas

Evento contou com a conferência de abertura do Doutor Honoris Causa da Ufba, Muniz Sodré

Por Lua Gama

Com a sala principal do Teatro Castro Alves lotada, a abertura do terceiro Congresso Pesquisa, Ensino e Extensão UFBA 2018 foi marcada por homenagem, música e militância em prol da democracia e em defesa da universidade pública.

O evento que este ano tem como tema “E agora, Brasil? A Universidade e os desafios desses novos tempos” ocorreu na noite desta terça-feira (16) com a presença de Reitores, membros de secretarias, sindicatos, representantes da comunidade acadêmica, entre outros.

(Foto: Divulgação)
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O convidado de honra da ocasião foi o baiano formado na Ufba, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Muniz Sodré, que proferiu sua fala sobre a importância das instituições públicas como provedor do conhecimento e também sobre o Museu Nacional. Sodré foi recebido pela saudação do capoeirista Mestre Nenel, filho do Mestre Bimba, que tocou o hino da capoeira feito pelo seu pai para recepcionar o convidado.

A noite contou com um espetáculo da Orquestra Sinfônica da UFBA, com regência do maestro José Maurício Brandão e participação da solista Ana Paula Albuquerque, que apresentaram ao público um repertório com músicas brasileiras incluindo o Hino Nacional Brasileiro.

Homenagem
O reitor da universidade, João Carlos Salles, pediu um minuto de silêncio em memória ao Mestre Moa do Katendê, assassinado no início deste mês por motivação política. Ao som de berimbaus, membros da Fundação Mestre Bimba prestaram homenagem ao capoeirista entoando o canto “Mataram um negro, mas não vão nos calar”.

“Quem matou mestre Moa do Katendê foi o fascismo. Ele morreu reivindicando um projeto democrático”, disse um dos capoeiristas, enfatizando que a memória de mestre Moa estará presente e que é necessário combater o ódio e a intolerância.

Universidade pública e democracia
João Carlos Salles discursou em defesa das instituições públicas e da Ufba que, para ele, é um lugar diverso, de debate, combate aos preconceitos e discriminação. O professor ressaltou ainda que é necessária a manutenção desses valores para se afirmar como uma universidade livre e gratuita e de qualidade.

(Foto: Divulgação)
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“Temos que lembrar que a universidade é um lugar de confrontação das gerações, de saberes. Um lugar a ser habitado e ocupado por nosso povo, pelos movimentos sociais. Lugar portanto, imprescindível e inegociável em uma sociedade que se pretenda democrática”, ponderou.

Salles falou também sobre o atual panorama político brasileiro, se posicionando contra qualquer ameaça que possa interferir na democracia, e, consequentemente, na universidade pública. “A indiferença nos torna cúmplices da barbárie”, exclamou.

Conhecimento contra a intolerância e o ódio
Muniz Sodré iniciou sua fala dizendo que sente orgulho de ser baiano, principalmente, no contexto político atual. Para ele, o congresso é um importante espaço para refletir sobre a relação entre às universidade públicas e o campo da pesquisa. Ele elogiou a quantidade de bolsas cedidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – cerca de 100 mil bolsas -, dizendo que não conhece nenhum outro país na América Latina que invista da mesma forma.

Durante a palestra, Sodré defendeu a universidade pública, e afirmou que ela é uma forma de combater a crise social e os atos de violência que estão ocorrendo no país. “Se você não pensa, o claro-escuro dessa falta de pensamento cria monstros. No lugar do pensamento vêm as emoções brutas, a violência e o protofascismo”, argumentou. Para ele, as pesquisas nas áreas das ciências sociais, humanas e artes têm o papel de agirem de forma histórica de intervenção intelectual na sociedade.

(Foto: Divulgação)
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“Nós estamos em um momento em que pensar é um problema, porque vivemos no mundo de gatilho rápido nas redes sociais. O gatilho rápido demais produz efeitos emocionais e políticos”, pontuou. O professor citou o ganhador do Nobel de Economia deste ano, Paul Romer, que acredita que as ideias impulsionam o crescimento econômico, diferente dos bens de mercado.

“As ideias prosperam com pesquisas, desenvolvimento, conhecimento e inovação. Portanto, essas ideias só podem existir em um lugar onde se una ensino e pesquisa”, disse Sodré, que ainda criticou a formação acadêmica baseada em apenas “fabricar diplomas” ou no ensino à distância.

“O ensino e a pesquisa universitária não podem passar ao largo das consequências das mutações econômicas, tecnológicas e sociais que estão em curso”, defende.

Museu Nacional
Importante acervo do patrimônio histórico-científico do país, o Museu Nacional administrado pela UFRJ pegou fogo no início do mês de setembro, destruindo boa parte do local. Sodré levou ao público algumas questões sobre o ocorrido. Para ele, a elite brasileira nunca se interessou pelos projetos de pesquisas nacional estando mais interessados nos ganhos capitais e financeiros, citando o fato da última visita de um presidente da República ao espaço ter ocorrido há mais de 60 anos.

Um dos motivos desse descaso é o fato do museu não ser midiático e, sim, um local de pesquisa. “O Museu Nacional não se prestava ao papel de selfies turísticos como a carcaça futurista do Museu do Amanhã”, se referindo ao Museu do Amanhã (RJ) que segundo ele, teve se projeto custando cerca de R$130 milhões.

“O MN não validava nenhum gosto artístico. Pesquisava materiais, obras e achados relevantes da singularização brasileira. Portanto, uma cultura que não se pendurava na parede”, defendeu o professor.

O incêndio teve uma grande repercussão midiática, e isto, segundo Sodré, serviu como um motivo para atacar às instituições públicas. “Um incêndio daqueles é um excelente pretexto para se atacar as instituições públicas. Excelente pretexto para pregar as virtudes da gestão privada no mundo”, conta.

Sodré finalizou sua fala dizendo que o patrimônio público corre risco por conta do indiferença das elites, pela hipocrisia de alguns governantes e pelo maior interesse do público por “espetáculos de praça” que estão sendo, em sua maioria, financiados pelas instituições privadas. Nesse contexto, é necessário defender o Poder Público, incentivador do ensino e da pesquisa. “Reparem no espírito público dos universitários, esse espírito resiste e hoje aqui mostrou que resiste muito”, finalizou Sodré.

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